quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Carmen Miranda


Nosso pai foi Papai Noel.

Ele usava mangas compridas e ternos e coletes para esconder as tatuagens feitas na prisão. Foi assim que conseguiu aquele emprego. Nosso pai oferecia balas e doces, mas tinha unhas escuras e dedos ásperos. As mães não reclamavam do cheiro de cigarro, naquele tempo elas fumavam tanto ou mais. Quando a loja abria, não havia muitas clientes e ele ficava só com o fotógrafo, um sujeitinho perfumado que só pararia de falar depois de tomar um tiro na boca. Para não precisar encará-lo, nosso pai fixava o olhar no burro empalhado que era montado pelas crianças. Ficamos sabendo anos mais tarde que usavam olhos de boneca para preencher os globos oculares dos animais mortos.

Nosso pai fazia questão de lembrar como éramos seu inferno. Depois que fui à Coréia, o entendi melhor. Tanto que repeti muitos de seus erros. Nós também o odiávamos. Não estranhamos (ou não nos preocupamos) quando não voltou para casa. Em janeiro, encontraram seu corpo em meio à neve. A polícia acredita que ele bebeu demais, caiu e morreu na beira da estrada, enquanto tentava voltar para casa. No bolso, encontraram um recorte de revista com a foto de Carmen Miranda.










{ Inspirado pelas f otos macabras de Papai Noel: Creepy Santa Claus (post do Mental Floss) & Sketchy Santas ...BOAS FESTAS}

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Coração agalopado



Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar. Vésperas do Natal,
noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular.

Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Lançamentos novembro e dezembro




a)CONTOS IMEDIATOS (Terracota)



Dia 28 de novembro, às 15 horas, Lançamento da antologia de contos de ficção científica Contos Imediatos.

Organizado pelo escritor Roberto de Sousa Causo, o livro apresenta um panorama da Ficção Cientifica nacional.

Com André Carneiro, Ademir Pascale, Ataíde Tartari, Chico Pascoal, João Batista Melo, Jorge Luiz Calife, Luiz Bras, Miguel Carqueija, Mustafá Ali Kanso, Sidemar V. de Castro, Tatiana Alves, Tibor Moricz.

Onde? Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, 509 (próximo ao metrô Brigadeiro). São Paulo.


b)MEU PAI SABE VOAR (FTD)




Dia 05 de dezembro, a partir das 15 Horas, lançamento de Marcelo Maluf e Daniela Pinotti.

Onde? Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, 509 (próximo ao Metrô Brigadeiro). São Paulo.

c)CARTAS do FIM do MUNDO




Dia 12 de dezembro: Cartas do Fim do Mundo. O livro reúne 13 "cartas" de autores novos e consagrados, cada uma dessas cartas escrita dia 31 de julho de 2013, brincando com a ideia do fim do mundo.

O livro reúne grandes nomes da Literatura nacional como: Os ganhadores do Jabuti Moacyr Scliar, Raimundo Carrero, Marcelino Freire, Márcio Souza e Menalton Braff. E mais os escritores Fausto Fawcett, Xico Sá, Luiz Bras, Luis Dill, Marne Lucio Guedes e Moacyr Godoy Moreira. E eu, Brontops, perdido no meio desta gente bamba.

Onde? Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, 509 (próximo ao Metrô Brigadeiro). São Paulo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Noite molhada em ata semente


Noite com gosto de cardamono e umidade de chuva, Santa Clara em doçura, coca cola sem açúcar, ouvidos generosos para relatos de velhos e novos amores. Letras boiando na sopa de vozes, timbres tão dissonantes em relatos atrozes de animais mutilados depois do prazer. Ah, a latente e deliciosa ameaça de quadris ondulantes.


Mas o tempo com pressa se impôs sobre a mesa, versões de um amanhã frio e próximo. Nada será como antes depois do garrote em cem anos, nem mesmo o mercenário incapaz de apagar as lembranças. Já na saída, o homem sonhado cede lugar ao atirador de facas que acerta bem no meio da fruta. Senha para a partilha de quinze sementes rondando dentes, aromatizando as cinco bocas num sabor do Oriente que será lembrado para sempre.



Laura Fuentes

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ata de um sopão de agosto


O espectro do anão rondou o jantar ao ar livre. Livre? Dimensões e perspectivas nunca previstas, apenas imaginadas, admissão de fetiches e a conversa esquentou. Confidências. Um molestador internético, uma patricinha fútil, uma senhora das vozes que sabe ser assim a sua sina, a sua tara. Sim, o espectro do anão rondava a sopa dos comensais incomodados pelo sem teto incensado no fogo das dores, revoltas, rangendo dentes e abandono. Melhor falar do futuro: manipulação do hipocampo numa humanidade cada vez menos humana, sexo em parafuso como um chifre de narval. Mas o passado volta a rondar quando se sentem observados pelo homem de emoções puídas cercado de animais, únicas testemunhas da sua expiação neste plano. Faltou a sobremesa. E todos foram embora certos de carregarem um anão dentro de si.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Instruções de postagem da inesgotável srta Muller




Antes de bramir seus fremidos, informamos que a postagem demanda que as mensalidades do carnê dos Escritores de Segunda estejam em dia.

Saliento que tentativas de suborno são inúteis e de perspectiva teratológica pois o absoluto e desenfreado Diretor Rissatti fica na Sala da Segurança, assinando memorandos e pedidos de suprimento de despesas e diárias, ao lado do Urso Kodiak empalhado de três metros de altura. Atrás deste, você poderá se deter junto aos diplomas e certificados de cursos de adestramento de animais ferozes e ensino de motociclismo a chipanzés. Não espere complacência. A mera suspeita da existência de caixinha implicará na soltura de tigres brancos da gaiola para encerrar a questão.

Portanto, será mais seguro se levar o recibo e quatro cópias, devidamente carimbadas pelo valoroso e infatigável senhor Cobbi, mais o aceite de catedrático indomado doutor Brites em três vias, uma com bic cor preta, outra com kilométrica azul e a terceira com ponta porosa verde. O conjunto será encaminhado ao departamento de descarbonamento (responsabilidade do excelentíssimo imperturbável senhor Lima), que fará um barquinho de papel com o segundo carbono e utilizará o terceiro para confetes pretos jogados em velórios políticos.

O primeiro carbono será endereçado para o departamento de nutrição pirofágica onde será acesa uma fogueira de cabelos cortados do venerável resplandescente doutor Maluf com os quais o impoluto e incontornável senhor Bode acenderá seus cigarros e colocará em um envelope para depósito no banco do Brasil na conta suiça da irremediável senhorita Fuentes até terça feira, dia 32.

Aí sim você pode postar no blogue.

E viva as instituições.

domingo, 11 de outubro de 2009

Pernil de carneiro torrado, erva dos sonhos e canja de galinha não fazem mal a ninguém.


“O que conta é o que se faz, não o que se intenciona fazer”
Picasso

Quatros pratos conversavam, brancamente, sobre conteúdos com que os enchiam, com que os esvaziavam.Gostavam de serem fundos, não rasos. Sentindo, assim, uma colher qualquer, raspando sua bunda de louça-louca, soltando sons esganiçados. Só não aceitavam que viessem misturando “secos com molhados”. Porque sopa é para os fundos e sólidos para os rasos. E a todo prato que se preza, do chinfrim ao decorado,devem ser apresentados alimentos quentes, frios ou requentados, um modo de saber serem utilitários. Um em cada lado do quadrado mantinham-se ansiosos, com o próximo café, almoço, jantar, ou demais convidados. Ah, e quando no centro da mesa, potes eram colocados; grito-ralado suado e cansado, erva-sonho seca e macerada, sabiam o manjar era prenunciado. E sentiam orgasmo, não com a promessa do membro-braço retirando a concha do caldeirão (porque este poderia conter qualquer coisa), mas com o que lhes era derramado por cima. O prazer do tato, do calor, mesmo sendo o de um ralo caldo.

Ata e não desata.


Lá fora um frio de cortar carne e a mãe dando comida às crias envoltas em concreto. Metamorfoseadas em natureza urbana. Resistência de anos setenta, oitenta. Fumaça. Lá dentro persistentes, eles, continuam insistindo em ser gente. Não mais festas caseiras, não mais bares e pitadas. Psiu! E eles não se calam, não se fecham em telas de cristal, líquidas e planas. O sistema dentro do sistema, que não é mais sistema. É a louca. É a letargia por medo da bala. Não mais bananas, para símios disfarçados de humanos. Chega. É o menino e sua história. É o menino e seus devaneios futuristas. E as meninas alimentadas, de quê? São elas a contar as contas do futuro? Alguém diz Hitler? O alemão duvidoso penetra e é devorado. É a dor da separação É a crueza da história.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Süskind, Patrick (1882-1917)


(um dos primeiros modelos de máquinas farejadoras. Cada um dos refis ampliava os odores de forma que a pessoa no interior da máquina poderia sentir toda uma escala de infrafaros, imperceptíveis por sentidos humanos. Nikolai Googol teria se inspirado nesta armadura, exposta durante a Feira Mundial de Moscou em 1901, para criar o seu antológico conto "O Nariz". Consta na imprensa da época que ele teria quebrado o braço ao tentar caminhar até o banheiro usando este traje.)




* * *




Nasceu em Ambach, Alemanha, filho de um condutor de bondes com uma senhora francesa. Aos 14 anos, após a morte do pai em um acidente incomum (Um tigre fugido do zoológico atacou-o enquanto recolhia bilhetes), foi para a França junto com a mãe. Destacou-se em atividades físicas, tornando-se um lutador de savate de certo renome em Paris. Neste tempo, apaixonou-se por uma jovem aspirante atriz, a srta Jeanne Moreau. Entretanto, perdeu o olfato e parte da visão após um golpe violento. Como admiradora de coisas belas, a atriz o abandonou, trocando-o por um jovem oficial alemão, deixando Süskind em melancolia tal que o tornou freqüentador rotineiro de casas de ópio.

Felizmente, um tio por parte de pai de Patrick o retirou desta lama e o levou à Berlim, para trabalhar em seu jornal. Após alguns anos e alguns lances de sorte, passou a publicar sua primeira obra literária de renome, um novela naturalista chamada "O Perfume". Seu livro fez enorme sucesso e chegou a inspirar certos cientistas a criarem máscaras farejadoras artificiais, que infelizmente se revelaram pouco eficientes, mas acabariam por inspirar o químico Fritz Haber a desenvolver as primeiras máscaras anti-gases, utilizadas na Primeira Grande Guerra. Hitler, em sua juventude, foi admirador desta obra de Süskind, até que se descobriu que a família de Patrick era judia. O romance teria inspirado ao historiador francês Alain Corbin a desenvolver o belíssimo ensaio sobre odores entre os séculos XVIII e XIX ("La Miasms et lá Konquille"). Outra obra, mais admirada pelos críticos, é "A Pomba", teria servido de inspiração para "Os Pássaros", do diretor britânico Alfred Hitchcock e a peça de teatro,“Amado Monstro”, do espanhol Javier Tomeo.

Faleceu durante a epidemia de Gripe Espanhola. Tinha 35 anos. Sua esposa morreu duas semanas depois. Não deixou filhos, exceto um cão chamado Tigre.












Convite Especial


Caros Correlegionários,


personifico-me nesta mensagem para avisá-los e convidá-los para o evento "Valeu Professor", organizado pela Secretaria Municipal de Educação - e é, mais ou menos, uma espécie de "virada cultural" da Educação, com artes plásticas, música, literatura etc - e começará na sexta, dia 02/10/2009, às 20h e vai até o sábado, dia 03/10/2009, também às 18h30.


O evento, criado para homenagear os professores em seu mês, contará com a presença de vários escritores ilustres, no segmento "Escritor no mês do professor", dentre eles o romancista Luiz Bras, que se apresentará às 11h do dia 03/10/2009, no CEU Jambeiro, em Guaianases.


Já no segmento "Professor Autor", haverá a apresentação de vários professores que publicam, ou já publicaram, literatura; dentre eles, eu, Tiago Araújo, que estarei às 18h do dia 02/10/2009, também no CEU Jambeiro, em Guaianases.


Outro segmento da festividade, o "Professor Músico", contará com a presença de professores músicos da rede de educação municipal de São Paulo, que se apresentarão em diversos pontos da cidade, principalmente nos CEUs. O grupo Grave, de MPB experimental, que tem em sua formação Nando Z, professor da rede, Tarcísio Hayashi, Raimundo Marrom, e Tiago Araújo, também professor da rede, irá se apresentar às 21h do dia 02/10/2009, no CEU Quintas do Sol, em Ermelino Matarazzo.


Não deixem de conferir a programação completa no link abaixo


www.prefeitura.sp.gov.br/valeuprofessor


Abraços e espero vê-los em algum desses dias!


Tiago Araújo

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Livre

Literalmente Livre. O Laudo era desfavoráveL, mas Lutei e Logrei os Louros da vitória. Terapia, fonoaudioLogia, Lobotomia. AtuaLmente, oLho peLa janeLa, contempLo os LiLases da Linda Luz matinaL e fico aLi, Lesado, Lembrando do tempo Liquidado na Loucura. Livre do deLírio, refLito se a Liberdade do Léxico é de taL modo Leviana. FaLa, Latido e excLamação. A paLavra Levada a Lugares Longínquos da Língua. São Lambidas de adrenaLina que estimuLam a eLocução Livre e o debeLar de síLabas Lacônicas interLigadas num Lindo, Leve, Livre e Límpido diáLogo soLitário.

Chá das Oito


Um biscoitinho senhora, diz pequeno androide de óculos em frente da mesa com diversos acepipes incomuns. A senhora loura de 2,15m de altura, sorriso escancarado e cabelos longos que se enrolam na armação da cadeira pede para ele passar com muito cuidado o creme de esperma africano com passas. Tem proteínas, diz ela, experimentem meninos. Com cara de nojo, o guardião daquele castelo recusa e pede para o androide os bolinhos de lama, cacos de vidro e cardamomo. Delicia-se com dois deles e brinca com sua tela de cristal líquido rachada ao meio: metade dela mostra repetidamente um vídeo pornô, no qual uma ninfeta se enrosca com uma jiboia, lambendo-a aos gemidos, enquanto a cobra prende suas pernas e a ameaça com a bocarra pronta para o bote. Na outra metade apagada reflete-se a lua, um pouco fora do zênite. O rapaz de tênis e jeans surrado, sem camisa e suado acocora-se em uma das cadeiras. Inquieto fala sobre os últimos monstros que havia derrotado nas cercanias do castelo. Todos batem palmas, agradecidos pela proteção, principalmente o ogro listrado que olha um livro poeirento, amarelado, enquanto toma um suco de cabelos e poluções noturnas. Pisca para a loura, entendem-se apenas com olhares lascivos e gargalham quando ouvem o bode com olhos de piedade e barba por fazer. Ele berra e faz manha, lê os pergaminhos corroídos e bate as patas na mesa, pedindo a palavra para expiar as culpas, não trouxe nada, diz ele, não trouxe nada. A menina morena espreita a algazarra dos comensais, horrorizada, e quase consegue chegar à porta e fugir, mas o guardião a alcança...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Atenção, Rio de Janeiro

Eventos


(Crayoneater, por James Jean)






a)DIA19 de SETEMBRO, 18 horas

Lançamento Livro Enchente, de Olivia Rabacov.
Ilustrações e projeto gráfico de Weberson Santiago.

Onde? Livraria da Vila, na Alameda Lorena

Detalhes no convite abaixo:




b)DIA 26 de SETEMBRO, das 15 às 18.

Lançamento de antologia de contos com com enredos envolvendo seres (extra) ordinários e suas múltiplas personalidades.

Será na Livraria Martins Fontes da Paulista, das 15h às 18h30, tem o lançamento do livro AlterEgo, organizado pelo quadrinista internacional Octavio Cariello.

Prefácio de Santiago Nazarian, e contos dos autores Roger Cruz (DC), Weberson Santiago (Folha de São Paulo), Gian Danton (MAD), Marcela Godoy (Devir), entre outros escritores e quadrinistas (incluindo um dos Escritores de Segunda, o Brontops Baruq).

Detalhes no convite abaixo:





c)DIA 30 de SETEMBRO, 20 horas

Encontro com a Agente Literária Maria Moura

Pós graduada em Marketing Cultural pela USP, mais de dez anos de experiência no mercado editorial, fundou a Página de Cultura, empresa de agenciamento literário.
Será na UNICSUL, Campus Liberdade, Av Galvão Bueno, 898, em São Paulo, SP. Com entrada franca

Mais detalhes no folder abaixo:


sexta-feira, 11 de setembro de 2009

RESENHA STALKER

O terceiro portal; Stalker.Há poucos dias, o lançamento do terceiro portal aconteceu. Um encontro no Espaço Terracota, com direito a presença de Nelson de Oliveira (organizador e idealizador) e alguns dos autores: Tiago Araújo, Brontops, Roberto de Sousa Causo, Rodrigo Novaes de Almeida e Ivan Hegenberg, além do público. Stalker compõe um projeto de seis revistas, lançadas semestralmente, que se finalizará em uma antologia, contendo os melhores textos de cada um dos seis portais. Os dois primeiros Solaris e Neuromancer, já rodam por aí, nas mãos de gente que curte FC, ou que mesmo sem ter afinidade com o gênero conseguiu um exemplar. Isto mesmo, para ler e ter um é necessário conhecer um autor, fazer parte do meio literário, ou ainda, ter curiosidade e buscar na internet, assuntos relacionados, resenhas, comunidades de FC falando dos portais. Sim, porque você não vai encontrá-los em livraria, e-book, banca de jornal; não estão à venda. Tive a oportunidade de ler Neuromancer e agora Stalker, e de modo geral, prefiro o terceiro. Os textos são mais vivos, mais fantasiosos, mais cativantes ou porque, hoje, esteja contaminada por um vírus de alguma galáxia literária que desconhecia. Participam deste terceiro portal onze autores com dezoito textos. Não comentarei todos, apenas os que na minha parca concepção sobre FC foram mais tocante:
  • No jardim de Mayrant Gallo uma nova forma de escrita, algo desprendendo originalidade, e o final envolvente, diria um micro conto em “Segredo”.
  • Ontem ferido de Maria Helena Bandeira é envolvente, com sabor de quero mais fantasia.
  • Os quereres de Brontops Baruq trazem o que há de mais humano na FC: {Esposa} Nossos gostos são muito simples... Não pensamos em filhos halterofilistas ou filhas poetisas...
  • Tiago Araújo mostra seus artigos, diria relatórios, de um futuro que se nos apresenta de forma quase que real: sagrado pelas referencias e profano pelas interferências.
O próximo é Fundação, mais uma homenagem às obras-primas da FC. Reintero não corra para comprar o seu. Mas, posso dizer, ou plagiar, Luiz Bras: “Eu vou até lá” “Tem certeza? Você conhece os riscos...” Sim e estou adorando me arriscar neste mundo novo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Entre as 70


Anote na agenda: antes do final de novembro estará circulando o livro que reunirá as 70 poesias indicadas como as melhores inscritas no concurso pela Comissão Julgadora de TALENTOS. Será um livro ilustrado e que já tem a capa definida. Ela foi a preferida na votação realizada pelo site junto aos poetas que inscreveram seus trabalhos – só eles puderam votar. Teve 43,77% da preferência. Todos os poetas que terão poesias editadas no livro receberão um exemplar gratuitamente. O livro também será colocado à venda para aqueles que se interessarem em adquirir exemplares da primeira edição do maior concurso de poesias da internet brasileir a. Confira aqui as 70 poesias que foram indicadas pela Comissão Julgadora para fazer parte do livro de TALENTOS. Elas foram selecionadas entre as 1.252 inscritas no concurso.
ELEVADOR ESTARÁ LÁ.
www.talentos.wiki.br/poesia.php

domingo, 16 de agosto de 2009

19 de janeiro



Em 19 de janeiro de 1981, Estados Unidos e Irã assinaram acordo para a libertação de 52 norte-americanos mantidos como reféns por mais de 14 meses. Em 19 de janeiro de 1910, um incêndio destruiu o palácio de Cheregan, em Constantinopla, sede do Parlamento turco. Em 19 de janeiro de 1982, morreu Elis Regina, em São Paulo, por intoxicação exógena aguda. Em 19 de janeiro de 379, Teodósio I tornou-se o imperador do Império Bizantino. Em 19 de janeiro de 1961, inaugurou-se a Rodovia Presidente Dutra. Em 19 de janeiro de 2004, foi lançado o Orkut. Em 19 de janeiro de 1794, os ingleses desembaracaram na Córsega, cuja bandeira é a de um negro com uma bandana na cabeça. Em 19 de janeiro de 1809, nascia em Boston, Estados Unidos, pesando 2.670 gramas e medindo 40 cm, Edgar Allan Poe. Coincidência ou não, 40 anos depois, em 03 de outubro de 1849, foi encontrado nas ruas de Baltimore, com roupas que não eram as suas, cego de um olho e em estado de delirium tremens. Faleceu quatro dias depois, sem jamais explicar de forma coerente o que lhe acontecera. Suas últimas palavras, segundo o Wikipedia, foram: "Está tudo acabado: escrevam Eddy já não existe». Após seu falecimento, de acordo com o relatório médico do Washington College Hospital, transformou-se em Corvo e saiu voando pela janela pra combater a injustiça e provocar a morte de Brandon Lee mais de um século depois, em um acidente misterioso e estúpido.










***

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

...


Os melhores preços para bugus estão no Mercado Municipal. Dispostos em sacos de trinta quilos, para comprar por pugido, granel, baciada, arroba, dúzia, quilo. Para garantir que são frescos, expõem-se os bugus ainda vivos, as patas movimentando-se lerdamente no ar. Aqueles no fundo esmagados ou sufocados pelo peso dos de cima.

Magali diante dos sacos. Com a mão livre, escolhe os bugus. Verifica a cor da carapaça, estica as extremidades, cheira, sacode junto ao ouvido para sentir e escutar o balanço da seiva ou se chama pela mãe, observa a data de validade. O feirante tem a língua presa, de sua fala espalham-se perdigotos. Oferece à freguesa um canivete para descascar o bugu e sugere que ela prove as patas traseiras. Os gritos são inaudíveis na confusão do mercado, mas a ela tem o pudor de pinçar o cérebro para não correr o risco de escutar a agonia. Esmaga-o entre os dentes, sente o sabor de ressentimento e vaidade.

Com uma bacia pequena, seleciona os melhores: menos de uma dúzia de bugus gordos, redondos, falantes. O plástico é fechado com um nó estreito e empilhado juntamente com repolhos, bananas-prata e ouro, limão galego, cenouras, mandioquinha, cebola verde, meia dúzia de ovos de codorna, alho, maracujá, rúcula, abiu, tomates, postas de pirarucu, abacaxi, melancia. O saco estufa, um orvalho minúsculo forma-se nas paredes internas daquela bexiga. Magali retorna para seu prédio, ignorando as conversas dentro de suas compras. Os bugus concluem que a sobrevivência da maioria depende do sacrifício de outros para se poupar oxigênio. Há um sorteio ou uma briga. Um é estrangulado. No caminho dela, há um homem fétido sentado na calçada. Aguarda o final da feira, quando procurará por restos. Levanta a cabeça para coçar o pescoço e a vê, apressando o passo. Ele continua coçando enquanto exclama, lembra-se de mim, lembra-se de mim, eu sei quem é você. Intimidada pelos gritos, ela fixa os olhos na calçada enquanto arrasta seu carrinho de feira.

Em seu apartamento, é recebida pelo gato. Tira as sandálias, quer descalçar. O animal se esfrega em seus tornozelos e lambe, contente por existirem, os dedos dos pés. Enquanto esvazia o carrinho, o gato acompanha. Ela abre o saco, retira um bugu inconsciente e oferece para o felino. Este abocanha o presente e foge para a sala para deliciar-se na solidão. Magali lava as mãos, separa os temperos necessários. O fogão é acesso com um ruído elétrico, um fio de óleo é derramado sobre o fundo da panela, para refogar cebola, salsão, salsão, louro, tomilho. A panela chia. O amparo de ar fresco fornece uma sobrevida aos bugus. Eles tossem e se arrastam sobre a pia, próximo a tábua de corte. Ela se acorcora para buscar outras panelas que batem umas nas outras, num badalar cacofônico. O vestido sobe, expondo as coxas para ninguém, ela que está só na cozinha, a calcinha refletida no aço inoxidável ou sugerida sobre o teflon. Os bugus se animam uns aos outros e se levantam lentamente. Um deles rasteja na direção inversa à faca. Mas quando ela se coloca em pé, novamente, num gesto automática ela recaptura este fugitivo, quebrando suas costelas e carapaça, e o deita sobre a tábua de plástico cheia de marcas, antigos cortes como linhas de mão. A faca desce e decepa a cabeça deste antes de qualquer atitude. Então, com as mãos livres, ela irrompe o abdômen macio com as mãos, como quem abre uma tangerina. A faca é reutilizada para remoção das sementes. Parecem gotas de duas pontas. Ela recolhe uma e experimenta entre os dentes. Pressiona lentamente até irromper e esparramar seu conteúdo diminuto e amortecer a ponta da língua com sua paixão irrealizada. Os demais bugus choram e suplicam por suas vidas ou recolhem-se em suas carapaças fazendo suas preces.

Magali joga vinho tinto na panela com os refogados. Aproveita um tanto numa taça e mastiga outra semente. Quase distraidamente captura um a um os bugus. A maioria pede pela mãe, mas há um que cospe e xinga e caga. As cabeças são entregues para deleite do gato. Um consegue escapar com um talho na cabeça, mais falta de pontaria que por piedade. Porém, como todos os demais, seu corpo foi arreganhado, sementes extraídas e jogado na mesma panela que os cadáveres de seus companheiros, coberto de água, temperado com sal e pimenta-do-reino. A torneira limpa os resíduos, sucos e secreções da tábua.

Retiram-se os ingrediente após o cozimento, reza a receita. Durante este tempo, Magali prepara salsa verde: mistura ovos, salsa, vinagre, azeite, sal e pimenta a gosto. Em uma outra vasilha, mistura creme de leite e raiz forte que depois vão para o liquidificador que urra enquanto sua lâmina recorta a densidade daquele líquido. Experimenta com o garfo um a um os bugus cozidos na panela e descobre que alguns não estavam no tempo certo. Suspira. Lava as mãos com detergente de cozinha para desodorizar os dedos. Inspira procurando vestígios de alho ou de sangue, mas tudo é inodoro.

Entreabre a calcinha, enfia o fura-bolos e o pai de todos. Prova o sabor. Está bom. Só então molha a colher de pau em sua vagina e aproveita seu gosto para corrigir o tempero e a distração. Numa travessa grande, coloca os bugus e os legumes. Rega com um pouco do caldo, mas aproveita o restante no liquidificador, onde é batido e retorna ao fogo lento até adquirir consistência de molho. Ela coloca o timer e vai para a sala esperar o toque assistindo à TV de domingo. Neste momento, ela recebe um telefonema. Espera que seja o namorado que vai fazer uma prova de concurso público.

Mas é uma amiga que acabou de fazer a operação de redução do estômago. A amiga se sente deprimida e quer conversar. Sente falta de algo para culpar. Diz que descobriu que seria possível beber leite condensado, com o tempo ela recobraria seu tamanho e seu peso. Ela procura animar a amiga e fazê-la esquecer desta ideia, mas não convence nem a si mesma. A conversa remete ao tempo em que enfiavam os dedos nas gargantas uma da outra até expelir o conteúdo do que comeram. Mas elas já não eram crianças.

Na tela do eletrodoméstico, um astronauta enfrenta um tiranossauro. O timer dispara e ela usa isto como desculpa para desligar. Vai a cozinha, apaga o fogo. Retira a travessa dos bugus e posiciona um prato vazio para seu lugar na mesa. Os talheres são colocados. Um copo de água filtrada. Um bugu é colhido na concha e finalmente chega ao prato. O molho é derramado como um cobertor cremoso. Ela não tem como saber, estão todos desfigurados e irreconhecíveis pela fervura e imersão de temperos, mas aquele é o bugu que resmungou algo antes de perder a cabeça.

Admira a mesa posta. O gato está na janela, observa a paisagem de viadutos. Na sala, o filme foi interrompido por um comercial cheio de gente bonita e com dentes perfeitos. Magali bebe o copo d´água. Garfo e faca voltam para sua gaveta, limpos. Recolhe travessa e guarda no forno o almoço, prato na geladeira. Magali deixa a cozinha, deita-se no sofá sob o sol pelo resto da tarde. Sonha com pipas e coelhos azuis.











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terça-feira, 4 de agosto de 2009

EVENTO


Stalker

A data do lançamento é dia 21/08/2009, sexta-feira, no Espaço Cultural Terracota (Av. Lins de Vasconcelos, 1886 - Vila Mariana ). Nelson de Oliveira vai mediar um debate sobre o gênero e, além disso, serão sorteados exemplares do Portal Stalker.

P r o j e t o P o r t a l

A revista Portal Stalker — terceiro número do Projeto Portal, coordenado por Nelson de Oliveira — traz contos inquietantes que vão do universo da ficção científica ao do fantástico, passando pelo da fantasia.São dezoito narrativas sobre novas tecnologias, viagens no tempo, ciberespaço, telepatia, contatos imediatos do terceiro grau, pós-apocalipse, pós-humano, utopias e distopias, de dez autores contemporâneos.O Projeto Portal prevê seis números, com periodicidade semestral. Cada número homenageará, no título, uma obra célebre da ficção científica: Solaris, Neuromancer, Stalker, Fundação, 2001 e Fahrenheit.
Aviso importante: o projeto não se destina à comercialização. Os poucos exemplares da revista serão dados de presente aos leitores escolhidos pelos autores.
Os contistas do Portal Stalker são: Brontops (SP), Ivan Hegenberg (SP), Luiz Brás (SP), Marco Antônio de Araújo Bueno (SP), Maria Helena Bandeira (RJ), Mayrant Gallo (BA), Roberto de Souza Causo (SP), Rodrigo Novaes de Almeida (RJ), Sérgio Tavares (PR) e Tiago Araújo (SP).P o r t a l S T A L K E RRevisão: Ivan Hegenberg • diagramação: Raquel Ribeiro • capa: Teo AdornoFormato: 16 x 23 cm • nº de págs: 108 • tiragem: 300 exemplares
http://projeto-portal.blogspot.com/

Brontops - http://brontops.blogspot.com/ ( DE SEGUNDA)
Ivan Hegenberg - http://ivanhegenberg.blogspot.com/
Luiz Bras - http://achados.e.perdidos.zip.net/
Marco Antônio de Araújo Bueno - http://www.literaujobueno.blogspot.com/
Maria Helena Bandeira - http://www.ovoazulturquesa.blogspot.com/
Mayrant Gallo - http://nonleia.blogspot.com/
Nelson de Oliveira - http://urbanalenda.blogspot.com/
Roberto de Sousa Causo - http://rscauso.tripod.com/
Tiago Araújo - http://escritoresdesegunda.blogspot,com/( DE SEGUNDA)
Rodrigo Novaes de Almeida - http://contosdafenix.blogspot.com/
Sérgio Tavares -

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Atada

Escrever com liberdade. Se divertindo. Sem medo de ser feliz. É possível? Com tanta gente julgando cada vírgula, cada resma de sentido? Não sei. E pra quê escrevo? Entre tantas possibilidades, por que escolho aquela que me trás mais um sofrimento? Além das contas para pagar, o intestino preso. Por quê? Segundo encontro e lá estou eu rodeado por eles. Quase todos. Mas estão lá. Voltaram. Sinceramente achei que não voltariam. Na verdade, achei que não viriam no primeiro encontro. Eu ficaria sentado no Café, sem dinheiro para pagar a água. Mas eles vieram. Todos. E estão aqui, de novo. Olho nos cantos das bocas e reviso o que sei de cada um deles. De alguns mais, outros quase nada. Mas o suficiente para admirá-los, apostar cada segundo da minha crença no talento majestoso que guardam nas pontas dos dedos. E como são parecidos! Não imaginam o quanto. Irão descobrir. Em alguns casos, se surpreender. Desta vez não peço uma água. Há um novato e beberico da soda dele, quando a garganta pede. Vão compondo. Criando. Em volta uma névoa de cigarro e futuro. Vou me sentindo pequeno, mas farto. A percebo olhando pelo vidro. Eles estão lá dentro, mais velhos, mais certos. Trazem as cicatrizes do sucesso. O grupo mudou um pouco, mas se mantém. Não ostentam a ansiedade da auto-afirmação. Um deles pede uma rodada para todos, resultado do último prêmio. A minha respiração no vidro nubla a falta que aquilo me faz. Mesmo que só ouvindo, penso em como foi bom estar por perto, em como as coisas aconteceram rápido. A foto na parede parodia a imortalidade tão vitral. Resolvo entrar, eles não percebem a minha chegada. Um ou outro quer saber quem sou. Ela levanta e me abraça forte, reconhecendo os olhos dele nos meus. Sussurram minha apresentação, admirados por quem eu represento. Depois vem uma seqüência de cheiros bem conhecidos, mesmo que distantes. Perguntam o que andei fazendo, se já tive outros filhos. Falo de viagens, projetos, falta de assunto. Comentam que o nome é ainda o mesmo. De Segunda. Eu sorrio e penso que tudo poderia ser assim, sempre. Essa nostalgia por algo que eu não sei muito o que é. Mas sinto falta como se algo chorasse por meus olhos. Pergunto se não vão acabar com a tal revista das frases, não deveria ser algo finito? Um brinca que sempre tem uma nova aparecendo. Dou um novo sorriso, com nó. E me levanto. Antes, perguntam de minha mãe, digo que está se recuperando. Pedem desculpas por não terem aparecido, a maioria não soube. Falo que entendo, da correria. Descrevo uma caixinha ond ele guardava as anotações antigas em seus originais. Eles sentem na carne um tempo que eu tive só um vislumbre. Parto. Quase me vendo correr entre as pernas das cadeiras, enquanto eles falavam de literatura com meu pai.

01/12/2008

domingo, 2 de agosto de 2009

a frase: os aros




Pelas lentes presas nos aros, vejo você em meio a um croissant. Disfarça mal o interesse, concentra-se no livro. Está longe, mas consigo ler a capa: papagaiada espírita, aquela coisa de vai e volta, cheia de mensagens evidentes. Adivinho sua procura por um sentido. Peço à garçonete lhe entregar um pedaço de bolo, aquele atrás do vidro no mostruário dividido como pizza, os cortes cruzando-se no centro. Estava inteiro, agora resta a incompletude. Você se surpreende e agradece de longe; por meio de um gesto, convida a sentar em sua mesa. Rodeamos assuntos para não falarmos daquilo que, de fato, queremos. Um risco em espiral escapa do centro. Você acredita ter sido prostituta na sua encarnação anterior. Cheguei tarde, então? Notei as estrelas coloridas no pulso. Você me esclarece que é necessário retocar as cores periodicamente. Você faz pouco caso da minha crença em alienígenas. Pergunto se já trabalhou no circo e você me responde que sim, até a morte de uma criança em um acidente no carrossel. Me conta que foi contorcionista e a imagino em auto-felação. Parece que nos conhecemos faz tempo; entretanto, quanto mais tempo ficarmos juntos, perceberemos o quão pouco temos em comum. Você me dá seu número e eu o meu, ofereço uma carona, mas você está de bicicleta. Fica para uma próxima, eu ingenuamente acreditei. Pago nossa conta. Confiro o relógio, ainda é cedo, a hora não passa: deve ser o verão. Decido dar uma volta. Vou a um café, de fronte a uma praça. Peço um suco e um croissant. Retiro o livro que mais amo de minha bolsa, todo ele rabiscado e cheio de anotações, lições de alguém que já morreu. Um caroço entope o canudinho, interrompo a leitura em meio a um parágrafo, sinto-me observada. Vejo você com seus óculos de aros redondos, me encarando sem disfarçar.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Da M.



Na infância a distração. Já na adolescência a depressão. E por um parecer médico, soube ser eterno o mal que contraíra. Não se rogou, após alguns neurotransmissores serem soldados com noradrenalinas, fez um corte moderno pro cabelo, colocou aparelho e aposentou a cor vermelha. Saiu à caça de um terno, deixou o buço crescer. Se bela, ou fera nem sabia dizer. Mas, depois da dianética e anos de terapia, o controle emocional, fez com que aposentasse o bichinho de pelúcia que à noite dormia entre suas pernas, receptor-transmissor de sua gula, e que de dia rodava e balançava como se fosse um prolongamento do que queria ter.

Estavam todos ali



Estavam todos ali. O barco pronto para entrar em alto mar. A previsão era pra peixe navegar de costas, boiando. Lá fora, mar a dentro, a fumaça do vapor, era dada por montinhos de cigarros mal apagados. O barco colocado na água navegava de uma ponta a outra pelo sopro e o empurrar das mãos. Mas o “Danado”, vendo tudo bem bolado, enjoou. Resolveu fazer ventania com o rabo. E a água, ao som da gritaria, elevava ondas de baba branca. O barco sentiu na celulose a penetração. No espaço apertado deram alguns esbarrões. Não naufragaram. Com o balançar, cabeças se juntaram fazendo o contrapeso. E da aventura do menino, em sua banheira, sobreviveram todos, menos o barco que de papel se desmanchou.

terça-feira, 28 de julho de 2009

MANIFESTO DE SEGUNDA

Poema bege, conto para microscópio.

Permitimos aos que vêm as segundas, a luxúria sem cabresto de arriscar poesia. Alguns faíscam um fogo que, mesmo sendo branco, não é brando; alguns nada escrevem; e outros escrevem segredos em uma mídia que revoluciona o mundo da criação! No mundo das fadas - negativo dos que vêm às segundas - a única regra é que tudo seja tão pequeno quanto elas, inclusive o tamanho em que sua legislação é escrita.

Expectativa

Se eu pudesse destruir alguma coisa no mundo, não acabaria com a fome... Acabaria com a expectativa.

Estimular o limiar do clitóris, sem nunca tocá-lo de fato, numa espécie de gincana alucinada; dizer que não vai dizer; ser mulher com um segredo; esconder; pintar as possibilidades com o frescor daquilo que se espera; são essências que agem sobre a espécie daqueles que vêm as segundas. Estão sempre lendo preposições, artigos e verbos que nunca foram escritos, transformam em euforia tudo que tocam, falam de percas sem número, de ideologismos que recaem sobre palavras ou sobre mesas de algodão, exalam a ausência dos que nunca vieram. Nós, ao contrário não esperamos ninguém além de nós mesmos. Escutamos aquilo que calam e, pacientemente, aguardamos que o efeito passe. Observamos e intercedemos, ora com bravura, ora com medo, quando lançamos no espaço a vontade e o delírio, a fim de servir às empreitadas dos homens, movidas por penachos de carnaval desde antes de nossa existência. Panfletagem pura.

Bundalêlê

Eu não quero ecstasy, piração, iluminação... Eu quero um videogame e um emprego!

– Ecumênico!
– Sacro!
– Mago!
Uma gritaria dos diabos! Aqueles que vêm as segundas são sincretismos deles mesmos.
– Buda!
– Oxalá!
– Padi Ciço!
– Mãe-Dinnah!
Expelem mantras de vampiro e rogam pelos prazos. Choram por não ter emprego e pitam a falta de grana. Especulam qual o melhor domínio e imploram por uma cara. Bebem ayahuasca. Sem gelo, sem limão. Cowboy mesmo. Vomitam borrasca, ouvem Pet Shop Boys e visualizam, dias depois, a maior de todas as alucinações: coxinhas de duas tetas!

– Eu belivo!
– Sidarta!
– Nem fudendo!
– Só fudendo!
– Eu bulino!
Tripla proteção espiritual, flatos, experimentação de saladas, gincanas que nunca acontecem e promessas de encontros para o fim de semana, são o que os torna tão sincréticos (ou seria sintéticos?). Daqui, apenas observamos. Nada podemos fazer.

Recordar é viver

Farfalhando pelo mundo e pela poluição da regra de não haver regras no mundo das fadas, somos interrompidos por mensagens do além-parto, enviadas por um saurópode – oráculo pó natureza – tão preocupado com sua prole..., e que, com mão viciada, lança desafios no vácuo-panteão onde, não sem esforço, ganhamos uma parcela de vida.
Dentre a enxurrada de epístolas de segunda, deparamo-nos com a questão: qual seria o brilho eterno de uma mente sem lembranças? Atentos e em riste, ouvimos dos que vêm as segundas, aquela que, mesmo não sendo plausível, parecia ser a resposta da irrequieta pergunta.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças é encontrar, ou tentar encontrar, a memória primordial daquilo que somos, descamando as que são construídas, adquiridas ou criadas com as pernas da ficção, como quando contamos o mesmo fato mais de uma vez e tendemos a melhorá-lo ou piorá-lo, de acordo com o que esperamos que nossos ouvintes, ou leitores sintam. A memória é uma ilha de edição...De quem é isso mesmo?
Non soddisfatti, aceitamos a idéia... mais por compaixão do que por acreditar, de fato, nela ou nos que vêm as segundas.

Ideologismos

Não somos aquilo que falamos, tampouco o que dizem aqueles que vêm as segundas, somos a polifonia de uma existência e das várias existências que se agrupam por razões aparentemente simples, mas que resultam em anomalias de muitas ordens, pois carregam em si, as notas que compõem os perfumes das mais acaloradas e diversas discussões sobre o sexo, os sexos, filosofia, certificados, RPG, florais de Bach, casamento, tiazinhas e coisas de viado. Às vezes uma palavra, carregada ou não de ideologismo, pesa mais que um elefante, e a carga com que é dita, causa uma reação na exata medida em que a ação se fez existir. E nisso surgem paliativos ou intermitências que amenizam a convivência. Ou até mesmo questões maniqueístas, jurídicas e discussões que assombram mais ainda o que poderia ter sido resolvido com o chicote da reação. Confuso? É pra ser assim mesmo. Estender uma discussão, ainda que seja para encontrar denominadores comuns, ou incomuns, é bem pior do que o inconveniente que a palavra motriz da ofensa possa ter causado. Nossos heróis morreram de overdose, sobraram os que vêm as segundas. Nada podemos fazer, apenas observamos.

Improexperimentando adendos finais

Entre felações e a ilusão de existir (dentro dos cerceamentos que a mente nos impõe) há um sentimento, sentido que conhecemos tão bem quanto a origem do universo: eclodir. Ou seja, os bigbangs criativos, quando são dissolvidos os nódulos e cristais espalhados na medula, desde o ponto onde eletrodos de carbono e neurônios inconseqüentes se unem a fim de ditar o que eles pensam pensar, até a fronteira final da receptação (ou interceptação) de idéias: o cóccix, um órgão primitivo esquecido no corpo de nossos criadores, aqueles que vêm as segundas, como um bisturi usado com precisão parksoniana... Confuso? Foda-se. No bom sentido é claro, sempre. Quem somos? Somos uma espécie de efêmera sonoridade, de silêncios maciços, de minúcias de pedreiro, ou de caçadores de elefante, faiscando suas navalhas no marfim das folhas que chamamos de casa.

AH TÁ...

confesso que num fundo não muito fundo, as lágrimas se fazem presente e somatizam com outras que estão mais ligadas a minha pessoalidade, ou ao que sobrou dela, uma pena, uma pena dormir numa cama que não era a minha na fatídica segunda feira, uma pena vê-la dizendo que está magoada, que estava indo pra casa da mãe e que esperava mais de mim, mas o encontro de segunda foi bom, mesmo com o desespero de ligar para o F., mesmo com o barulho, com a preocupação - sim, preocupação - com a consorte do malufinho. e com a bola fora da Dialogia..., com os segundos que me faziam imaginar a minha vida assim que saísse do Girondino e todas as coisas que conversei com a dê. no carro, ótimos conselhos, mas que só me aproximaram mais de uma realidade que não sei se estou pronto pra aguentar, pra assumir, falo da minha vida - sempre falo da minha vida - uma pena, então saborosa como nunca foi, então honesta como nunca foi, mas, foi... antes de chegar no bar armei-me de carapaças protetoras que comprei em um site japonês, coisa de shogun, aliás, sempre adorei o shogun, forte e imbatível, entretanto, me fizeram esqueça-las nalgum canto sujo e cheio de baratas da minha mochila, despi-me antes de ver se tinha ficado bom, se era o meu número, se ficava bem na bunda, se caía bem nos ombros, tudo o que aprendi em relação a vestir-se bem nos últimos anos... não é preciso que a indumentária seja cara, de grife, é preciso, antes de tudo, saber se ficou bem na bunda, porque a bunda é o caminho para a rota para o trajeto para o trâmite para a jornada para o infinito, se quiser, daquilo que almejamos e sonhamos possível, sonhamos verdade, perdemos o sono, de uma maneira boa, de um modo tranquilo, é a bunda que te senta e não você a ela, é um pedido e uma novena, é querer mais que bem querer, é foda é filho é merda é nada é foda é merda é cãibra é despir-se de filosofias e de métodos e de dinossauros e de adolescentes, como aqueles do texto do cláudio, como aqueles do texto do bronts, como aqueles que não somos mais, é foda é merda é tudo é ainda afã, affair, afins, é ainda manipulação e raiva, é sem dó, sem medo, sem textura, tessitura, tesão, é só a bunda.

Um primeiro AAAAAAA!

E é dada a largada!
Máscaras na cara e cartões de débito no bolso!
Ely Corrêa no rádio e que saudade de vocês!

domingo, 28 de junho de 2009

Nós somos os Escritores de Segunda





"(...) a ficção nacional sempre soa como uma espécie de memória disfarçada, uma crônica rarefeita e emotiva, parasitária de alguma influência mal digerida. Os personagens nunca deixam de ser autobiográficos; o estilo sempre está a reboque de outro. Não se explora a língua nem em seu potencial de pensamento, nem de percepção."


(Trecho da coluna "Sinopse" de Daniel Piza(*) no Caderno2 do Estadão de 28/06/2009, com o título "Letras e listas" sobre a elaboração de uma lista com as obras-primas da literatura brasileira)





(*) - Reza a lenda que o Jânio disse: "Dos Pizas, o mais direito é a Torre"
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