sexta-feira, 26 de abril de 2024

Escrever

 

 


 

A Emoção

 

Ariano Suassuna em "A Compadecida e o Romanceiro Nordestino" (Almanaque Armorial, 2008)

 

“(O crítico) Anaton Rosenfeld, com extraordinária agudeza e com a penetração crítica de sempre, notou que meu teatro era, sim, aproximado do de Gil Vicente, dos milagres medievais e – acrescento eu – do de Plauto, do de Goldoni, do de Lope de Vega, do de Calderón de la Barca, etc. -  e não do de Claudel ou Bretch. É verdade, e fico muito satisfeito que ele o tenha notado. Eu não conhecia nada de Brecht, nunca sequer ouvira falar dele quando escrevi o Auto da Compadecida. Detesto o teatro marxista dele tanto quanto não gosto do teatro católico e hierático de Claudel. Não gosto, de modo nenhum, agora que os conheço, nem da fragmentação das unidades de tempo, ação e lugar, nem do tal “afastamento”, do “distanciamento” brechtiano, que, começando sua oposição contra alguma coisa também a meu ver errada, o “ilusionismo teatral”, termina prejudicando de modo funesto a própria “Ilusão do Teatro”, que é fundamental, sem a qual morre o teatro, isso queiram ou não os brechtianos. A emoção é, para a Arte, tão fundamental quanto a reflexão: um teatro sem riso, sem cólera, sem amores, sem luta, sem choro, é um teatro frio e desumanizado, intelectualizado e castrado pela Política sectária e sufocante. É por isso que o teatro sectário e político de Brecht nunca chegará nem perto de Shakespeare, que não tinha medo do choro nem do riso, e que por isso trata de Política sem fazer teatro político, trata de problemas filosóficos sem fazer teatro filosófico, faz de sua Arte uma forma superior de diversão sem cair no vulgar, e apresenta o riso, o choro, a cólera, o sangue, sem fazer dramalhão ou teatro sentimental.”

 

 

 

(imagem: aquarela de Marcos Beccari)