sexta-feira, 13 de março de 2020

Escrever





Como Escrever Histórias em Quadrinhos - Parte II 

Por Alan Moore 

N. do T.: Para esta segunda parte, tenha à mão, se possível, novamente as edições Monstro do Pântano, Volumes 1e 2, publicada recentemente pela editora Brainstore, as antigas edições de American Flag da Abril e o ótimo livro A Balada De Halo Jones, publicado a pouco tempo pela Pandora Books.


Admitindo que agora você tenha alguma idéia das reais possibilidades abertas para você em como contar uma história, então o próximo estágio é nos movermos em relacionar os elementos dentro do verdadeiro trabalho de ficção em si.


Por razão de conveniência, os principais elementos nessa categoria podem ser divididos em três importantes áreas: caracterização, descrição do ambiente e, finalmente, enredo. Comecemos primeiro com o ambiente, pois a natureza do enredo e as motivações dos personagens serão determinados em grande parte pelo mundo no qual eles vivem.


O trabalho do(a) escritor(a), se ele ou ela estiver tentando descrever uma colônia em Netuno no ano 3020 ou a vida social de Londres por volta de 1890, terá que explorar um senso de realidade ambiental tão completa e desapercebidamente quanto possível. O caminho mais óbvio para fazer isso é explicar os rudimentos de seu mundo para seus leitores através de legendas com textos explicativos ou diálogo expositório, mas para mim é também o método mais artificial e em muitos casos o menos efetivo. Ele apenas parece ser o mais fácil, o qual seja o porquê de ser usado tão freqüentemente. Por outro lado, o melhor modo de dar a seus leitores um senso de ambientação e localização no tempo e espaço é, na minha opinião, o mais difícil, mas também o mais recompensador a longo prazo.

A melhor maneira, para mim, é primeiro considerar o ambiente com o qual você está trabalhando como um todo e em detalhes antes mesmo de você pegar caneta e papel. Antes de escrever V de Vingança, por exemplo, me peguei com um volume de informações sobre o mundo e as pessoas que nele vivem, muitas das quais jamais seriam reveladas na HQ pela simples razão de não serem essenciais para o conhecimento dos leitores e provavelmente por não haver espaço suficiente onde colocá-las. Isso não é importante. O que é importante é que o escritor ou escritora deve ter uma clara imagem do mundo imaginado em todos os seus detalhes dentro de sua cabeça durante todo o tempo. Retornado a nossa colônia Netuniana, por enquanto, vamos nos mover através dos tipos de detalhes que são essenciais para se chegar a uma clara imagem do mundo.


Primeiro, como os seres humanos conseguem viver em Netuno? Quais os problemas físicos que devem ser superados antes que as pessoas possam viver em tal mundo e quais métodos parecem ser possíveis para solucionar tais dificuldades? Pode o fato de Netuno ser na sua maior parte feito de gás exigir um certo número de ambientes artificiais flutuantes ligados talvez por uma rede doméstica de teleportação? Como o sistema de teleportação funciona? Que efeitos a enorme gravidade do planeta tem sobre os seres vivos e a psicologia das pessoas que vivem ali? Qual é o propósito de uma colônia em Netuno? Talvez seja explorar minerais para serem usados na Terra? Quais as situações políticas que prevalecem na Terra neste ponto da História e como ela afetam as vidas dos colonizadores? Há quanto tempo eles estão ali? Estão há um tempo suficientemente longo para desenvolverem adequadamente uma cultura isolada? Se assim for, que tipo de pinturas eles produzem e que tipo de musica compõem? É uma arte opressiva e claustrofóbica, resultante das pressões de viver em tal ambiente fechado, ou serão as pinturas e peças musicais plenas de luz e espaço para compensar os arredores deprimentes que os colonizadores são forçados a suportar? Como é mantida a Lei na colônia? Que tipos de problemas sociais existem? Os terráqueos são a única espécie que administram a colônia ou há outras raças de alienígenas envolvidas? Terá a humanidade encontrado outras raças de alienígenas durante todas as décadas de exploração espacial de nossa história ou ainda estarão sozinhos no universo até onde sabemos? Que tipo de economia é adotada num lugar como esse? Como as pessoas se vestem? Como as famílias são fundadas?

Esse foi o processo que usei quando descrevi o mundo dos Warpsmiths e o modo como sua cultura foi construída. Também foi o mesmo processo usado em a Balada de Halo Jones e V de Vingança. O ponto é que uma vez que você tenha começado a trabalhar no mundo em seus mínimos detalhes, você será capaz de falar sobre ele despreocupadamente e com completa segurança sem atingir as cabeças de seus leitores com enormes volumes de explicações.

Howard Chaykin fez isso em American Flagg. Ele trabalhou nas marcas registradas e nos programas de TV e nas tendências da moda e nos problemas políticos e então ele simplesmente foi franco em seu modo de contar sua história e deixou seus leitores capazes de captá-la naturalmente. Na primeira edição de American Flagg, vemos flashes de programas televisivos e um bombardeio de comerciais que nos dão uma impressão muito mais real do modo como essas pessoas pensam e vivem que qualquer quantidade de legendas explicativas poderiam fazer. Além disso, tem a vantagem de parecer muito mais natural, uma vez que segue quase exatamente o modo pelo qual entendemos uma cultura estrangeira quando viajamos para outros países durante nossos feriados. Não entendemos necessariamente tudo sobre a cultura de imediato, mas gradualmente, quando captamos os detalhes ao nosso redor até termos uma completa sensação de todo o ambiente sua atmosfera exclusiva e os elementos sociais que a formam. Quando um escritor lida com o ambiente dessa forma, não temos a sensação de ter uma abundância de estranhos detalhes empurrados em nossa direção apenas porque o escritor quer que saibamos perfeitamente como ele pensou em tudo. Em vez disso, temos a sensação de um mundo perfeitamente concreto e de detalhada credibilidade, onde coisas ainda se desenrolam fora de nossa visão mesmo se a história não está focalizada nelas. Um mundo construído logicamente para nossa história estará pronto e irá por um bom tempo suspender a descrença de nossos leitores, levando-os a um estado de hipnose que mencionei no capítulo anterior.

Os comentários acima referem-se especificamente em criar ambientes, mas se você pretende usar um lugar que realmente exista, você tem conhecer todos os detalhes da sua concepção do mundo que você está querendo mostrar. Quando comecei a escrever o Monstro do Pântano, comecei a ler sobre a Louisiana e o bayou tanto quanto pude e consegui colher, através de um árduo trabalho, conhecimento de sua fauna e flora e do lugar em geral. Sei que jacintos aquáticos formam um espesso lençol sobre a superfície da água que parece ser uma base sólida, e que crescem tão rápido que às vezes, no passado, havia a necessidade de queimá-los para que não cobrissem, literalmente, todo o pântano. Sei que os crocodilos engolem pedras acreditando serem tartarugas e que são incapazes de digeri-las. É por isso que os crocodilos tem um temperamento tão irascível. Sei que os cajuns, habitantes locais, são chamados de Coonass por aqueles que não são cajuns como um tipo de ofensa local e que eles, os cajuns, têm feito desse insulto uma virtude, trazendo em seus pára-choques um adesivo onde se lê "Orgulho de ser Coonass". Sei que o mais popular nome cajun é Boudreaux. Se quero um nome que soe verdadeiro para um cidadão comum da Louisiana, procuro em meu catálogo telefônico de Houma até encontrar um que me pareça adequado: Hatie Duplantis é um bom nome. Jody Herbert também. Se quero saber qual estrada um personagem deve tomar para se dirigir de Houma a Alexandria, então procuro em um mapa dos Estados Unidos. São pequenos detalhes como esses que farão da sua descrição de um lugar qualquer convincente e realista. Eles podem ser colocados casualmente nas imagens do diálogos sem estardalhaço e provavelmente serão mais convincentes e mais triviais e insignificantes do que parecem ser.

Naturalmente, quando consideramos um ambiente, não é apenas a realidade física do lugar que deve ser entendida, mas também a atmosfera e a realidade emocional. Tomemos Gotham City, do Batman, como exemplo. É apenas outra versão de Nova York? É um enorme pátio de esquisitices para crianças crescidas lotarem de máquinas de escrever gigantes e enormes Jack-in-the-boxes, povoada por criaturas como Bat-Mirin e bufões excentricamente maliciosos como o Pingüim ou o Coringa dos anos cinqüenta? É uma paisagem urbana sombria e paranóica francamente baseada em Fritz Lang, aterrorizada por monstros e criaturas deformadas, onde a única defesa é um frio e impiedoso vigilante que se veste de morcego? A maneira que você escolhe lidar com o ambiente irá alterar toda a atmosfera da história, e é tão importante o efeito final quanto um entendimento dos verdadeiros fatores físicos que moldam o mundo sobre o qual você está escrevendo.

++


Certo, então temos nosso próprio mundo. Que tipo de pessoas vivem nele e o que podemos fazer para descrevê-las da melhor maneira possível? Isso nos leva a área, aparentemente de altíssima complexidade, da caracterização. A abordagem da caracterização nos quadrinhos envolveu, como tudo mais neste meio retrógrado e negligenciado, um ritmo dolorosamente lento nos últimos 30 ou 40 anos. A primeira abordagem encontrada nos quadrinhos foi a simples caracterização unidimensional, geralmente consistindo de esta pessoa é boa ou esta pessoa é má. Para os quadrinhos da época e o mundo comparativamente simples ao qual eles eram destinados a entreter, isso era perfeitamente adequado. Mas, por volta de 1960, os tempos mudaram e era necessária uma nova abordagem na caracterização. Assim, Stan Lee inventou a caracterização bidimensional: esta pessoa é boa mas ela não tem sorte com garotas e esta pessoa é má mas pode redimir-se e juntar-se aos Vingadores caso um número suficiente de leitores escrever pedindo por isso. Novamente, nessa época, isso foi uma impressionante inovação e parecia uma maneira perfeitamente boa de produzir quadrinhos que tinha relevância para a época na qual eles eram produzidos. O progresso, desde esse ponto, tem sido mínimo. Num esforço de se manterem contemporâneos com a época, os próprios personagens tornaram-se mais radicais, brutais, bizarros ou neuróticos, mas a maneira básica de retratá-los sofreu poucas mudanças. Eles ainda são definidos cuidadosamente como personagens bidimensionais, talvez com uma pequena roupagem verbal par torná-los atuais.


Acho que muito da culpa por essa condição recaia na ampla e inquestionavelmente aceitação do dito se um personagem não pode ser resumido em 15 palavras, então ele não é bom. Eu pergunto, e quem disse? Do mesmo modo que é certamente possível resumir o personagem e a motivação do Capitão Ahab numa simples frase como este insano aleijado que odeia uma baleia, Herman Melville obviamente pensou de modo adequado ao levar seu trabalho um pouco mais além. Parece-me que o que esta afirmação altamente falsa quer realmente dizer é algo próxima a se um personagem não pode ser resumido em 15 palavras, então você não conseguirá vendê-lo a um público jovem, que admitimos ter uma inteligência limitada e possuir breves momentos de atenção.


Verbalizar leis e convencionar sabedorias dessa natureza realmente representa o veneno da indústria, ou pelo menos um dos venenos da indústria. O problema é que eles tendem a fazer com que as pessoas fiquem limitadas a um modo de ver as coisas. Obviamente, se seu personagem necessita ser escrito em 15 palavras, você irá visualizar um personagem de 15 palavras, algo como: um policial cínico cujo assassinato dos pais o fez usar uma máscara e o fez travar uma guerra contra o crime (N. do T.: Se você se deu ao trabalho de contar, verá que a tradução descreve um personagem de MAIS de 15 palavras, mas como quis manter o texto o mais perto possível do original, acho que você entendeu o que Moore quis dizer com um personagem de 15 palavras, certo?). Apesar desse modo representar o início de um personagem com o qual você pode perfeitamente trabalhar, a tendência parecer ser a de que o escritor não consiga ver mais nada além de um esqueleto de 15 palavras. Uma ou duas vezes em cada história, ele terá de ter certeza de que o personagem disse algo cínico e pensa em retornar a sua carreira como policial. Além disso, um dos personagens secundários terá de dizer: "honestamente! Você é muito cínico!!" o que nosso herói ira replicar "E o que você esperava, idiota? Lembre-se que eu costumava ser um policial!". Se o escritor for comparativamente experiente, pequenas alterações na personalidade terão de ser introduzidas no esquema... É revelada, por exemplo, que nosso cínico ex-policial também coleciona selos. Estranhamente, isso terá de ser amarrado à premissa inicial das 15 palavras: "Bem, aqui estou, sentado com o álbum à minha frente, lambendo selos. Claro, eu não estaria fazendo isso se ainda fosse um policial. De fato, quanto mais penso na situação, mais cínico me sinto".


Se o escritor é aventureiro, ele pode sentir a necessidade de explorar o personagem em maior profundidade. O problema é que, de qualquer forma, a profundidade das águas da alma do personagem ainda podem ser de somente 15 palavras. Talvez o escritor ainda dedique toda uma edição ao personagem, tentando esclarecer os mistérios de seu passado por meio de flashback ou algo assim. A história terá um ponto central e um tema, assim como todas as histórias devem ter, provavelmente seguindo as linhas de "O que fez o personagem se tornar tão cínico?" Durante as próximas 20 e tantas páginas, percorreremos através dos anos de desenvolvimento do personagem até alcançarmos os o evento apocalíptico no meio da história. "Ali estava eu, olhando para meu álbum de selos e a coleção sem preço que levei anos para reunir, até que subitamente percebi que colei todos eles, ingenuamente, com um potente adesivo industrial, e eles ficaram irremediavelmente desvalorizados. Então entendi que o universo era uma piada cruel para a humanidade, e que a vida não possuía propósito. Tornei-me completamente cínico em relação à existência humana e vislumbrei a essencial estupidez de todo o esforço e empenho humano".


O fato é que, como as concepções iniciais de trabalho sobre as quais os personagens são construídos são limitadas e altamente inviáveis, então também assim serão os próprios personagens. Se os escritores de quadrinhos resolvem os problemas de desenvolver seu nível de caracterização a um nível onde ela não muda com o tempo, talvez não seja uma má idéia descartar alguns desse modelos antiquados e encarar o problema por outro ângulo. Um ponto lógico por onde se começar pode ser simplesmente sair e observar algumas pessoas do mundo real. Considere a natureza do modo de ser das pessoas ao seu redor e considere também sua própria personalidade, sob uma luz tão imparcial e objetiva quanto possível. Em um curto espaço de tempo, você pode descobrir que quase ninguém pode ser resumido em 15 palavras, pelo menos não de modo significativo ou relevante. Você pode também perceber que as pessoas mudam sua personalidade dependendo de com quem elas estejam falando. Elas têm uma linguagem diferente quando estão falando com seus pais da linguagem que usam quando se dirigem aos seus colegas de trabalho. Elas variam sua atitude e seu temperamento a todo instante. Com freqüência, farão coisas que parecerão completamente estranhas à sua natureza. Observações simples e comuns como estas ajudam a impulsionar a mente criativa à um entendimento mais completo de caracterização bem mais do que curtas generalizaçõezinhas sobre o fenômeno.


É importante olhar para como as pessoas de outras áreas resolvem o problema da verossimilhança. Um artista que quer aprender a desenhar realisticamente o corpo humano provavelmente irá começar a partir do ambiente ao seu redor, observando como as pessoas ficam em pé ou se curvam ou se movem. A menos que ele seja incrivelmente estúpido em não tentar capturar a vida apenas seguindo um duvidoso pronunciamento como figuras bem-feitas têm queixos enormes ou algo dessa natureza.
Estudar a si mesmo e as pessoas ao seu redor em detalhes, e tentar não deixar passar nada... cada pequeno cacoete vocal e de hesitação, cada vaga nuance de postura corporal ou cada gesto inconsciente das mãos. Perceba o modo como elas falam e tente recriar suas linguagens em sua cabeça com todos os costumes e maneirismos intactos. Mesmo se, com todas as probabilidades, você nunca venha alcançar todo seu sucesso na ocupação de criar um personagem que é perfeitamente verossímil, o esforço ira ao menos o levar mais perto dessa meta e a um entendimento dos problemas envolvidos.


Outra ferramenta útil de caracterização pode ser emprestada do teatro. Eu tinha mencionado antes que eu tentei obter um método de representação teatral aproximado para a caracterização quando possível, e parece que ele produziu resultados razoáveis. Como um exemplo de como aproximei um personagem para esse método, cito o modo como Etrigan, o Demônio foi escrito em Monstro do Pântano #25-27. Desenvolver a personalidade de Jason Blood não representou nenhuma dificuldade real, Mas como o próprio Demônio representa uma criatura do inferno, imaginei que sua psicologia e impulsos pudessem requerer um pouco mais de reflexão. Sabia que ele era um personagem raso e limitado, e percebi que ele provavelmente seria denso e violento, com resultado direto de viver e sobreviver no inferno num dia-a-dia normal. O imaginei pesado, como se fosse feito de ferro sólido, e a temperatura interna de seu corpo seria aproximadamente tão quente quanto magma. Isso me sugeriu um tipo de intensidade ardente em seus pensamentos e ações junto com uma massa corporal esmagadora, como resultado de sua compacta densidade.



+++


Percebi que nos esboços originais de Steve (Bissete) e John (Totleben) para o tratamento proposto ao personagem, os caninos eram mais pronunciados e a boca tinha um leve formato felino, com uma fissura no lábio superior. Isto sugeria que a voz do personagem pudesse ser levemente malformada, a fala dificultada pela deformação no lábio e dentes.


Munido com todas essas informações, fechei as cortinas do meu escritório para que os vizinhos não me se preocupassem e enviassem um assistente social ou algo assim, e tentei então imaginar qual seria realmente a sensação de ser o personagem. Imaginei o imenso peso do seu corpo, que era agora muito menor, e vi que isso poderia dar aos movimentos do seu corpo um tipo de momentum terrível. Com a natureza selvagem sugerida pelos caninos proeminentes em mente, coloquei a prova a sensação de arquear-me como Quasímodo e agachava-me levemente enquanto caminhava. Após sentir que tinha captado a sensação física do personagem, experimentei então a voz, empurrando meus dentes superiores para fora e enrolando meu lábio superior até eu sentir dificuldade de falar claramente. Fez algum sentido, afinal, parecer necessário falar muito devagar, o que sugeria uma espécie de qualidade de som-de-gramofone-tocado-em-baixa-rotação na voz, muito profunda e muito gutural. Eventualmente, imaginei que a voz exata que eu estava procurando era um tipo de versão de tratamento eletrônico da voz de Charles Laughton em Mutiny on the Bounty. Tendo intuído a voz e a postura do personagem, você pode fixar a impressão em sua mente para utilizá-la quando chegar a hora de colocar os personagens em ação e produzir um diálogo realista para eles interpretarem.


Uma conclusão a qual cheguei é que quase todo mundo tem um número praticamente infinito de facetas em sua personalidade, mas que preferem focalizar em apenas um punhados delas na maior parte do tempo. Temos áreas em nosso interior que são cruéis, impetuosas, covardes, libidinosas, violentas, mesquinhas... Se pudermos descrever um personagem com estes atributos, poderemos estar preparados para encarar áreas de nossa personalidade que sentimos menos confortáveis à nossa vista e fazer uma avaliação honesta de o que vemos. Reciprocamente, todos temos facetas que são nobres, heróicas, altruístas ou carinhosas, se nos importar admiti-las ou não. Ao criar um personagem nobre, você deve primeiro tentar enxergar qualquer fagulha de nobreza que possa haver em você, mesmo que seja improvável a possibilidade de sua existência durante seus momentos de exposição.


Quanto mais você experimentar na caracterização, mais confiante você se torna para eliminar alguns dos mais específicos e complicados da arte. Com escritor masculino, por exemplo, heterossexual assumido, como posso escrever sobre personagens homossexuais, ou personagens negros, ou personagens femininos? Teoricamente, claro, deve ser mais fácil escrever pessoas de outra raça, gênero ou inclinação sexual do que escrever sobre vegetais conscientes, ubermenschen alienados ou criaturas das profundezas. Quando isso ocorrer, se você errar na caracterização do seu vegetal ambulante, você não vai ofender, machucar ou desrespeitar ninguém que exista de verdade. Relacionar os vários tipos diferentes de personagens que você provavelmente irá criar ao longo de sua carreira é, ao mesmo tempo, absorver e processar informações. Um dia você será uma criança assassina em Nova York, no outro, um criatura cristalina sapiente em Altair 4, e em outro, uma freira de setenta anos trabalhando com os sobreviventes da Segunda Peste em Londres durante o ano de 2237. Você será forçado a levar em conta pessoas que são política e moralmente ofensivas para você e tentar entendê-las.


Isso pode as vezes ser pessoalmente e profissionalmente recompensador, mas o resultado principal é que, ao escrever sobre personagens durante o curso do seu trabalho, você atingirá o nível certo de cuidado e aspiração requerido para um grau de autenticidade e estilização com completa compreensão dos princípios envolvidos. Lembre-se de que tudo na história é um personagem, mesmo que aconteça dele apenas passear pelo cenário sem dizer uma palavra e jamais venha a ser visto novamente. Toda vez que começar um história, você estará criando um mundo e o povoando. Mesmo se você não disponha de tempo para gastar os costumeiros sete dias por semana para isso, você deve ao menos estar ciente de que deu a isso tanta reflexão quanto foi necessária.


VIA