quarta-feira, 12 de maio de 2010

nº06: Escadaria






Quando a porta fechou, deixou um vazio. A mão espalmada na janela do vagão era a fotografia da despedida. Era o desconsolo. E a vida que se espalhava desordenada nos próximos 60 anos não poderia ser mais sem graça. Foi o que pensou naqueles poucos segundos que se congelaram entre o beijo e o baque das borrachas da porta.

Então mudou de casa, de caminho, de marca de cigarro e de óculos, de café para chá de boldo, de horário de trabalho e foi mudando o quanto pôde, mas a imagem era nítida: o beijo, o baque e a mão espalmada marcando o vidro. Só não conseguia deixar de ir uma vez por semana àquela plataforma, na segunda porta do terceiro vagão, com uma esperança de ela esta na porta. Era o que pensava. Ficava ali das 20h00 às 20h30, às quintas-feiras. Um pouco antes, ou depois. E nada acontecia.

Não era quinta, ou quarta, muito menos terça, mas numa segunda-feira que por acaso desembarcou ali, na plataforma. Esperou dez minutos, pouco mais, ou menos. Olhou no relógio duas vezes. O eco do nada se confundia com o rangido agudo dos trilhos. Subiu na escada rolante com a esperança de que ela o levasse para longe dali. E um olhar pescou o dele do meio daquela massa quase amorfa que descia apinhada. Quando os olhares se cruzaram, na mesma altura, quase se atracaram, num afã que beirava o obsceno. E se viraram. E se encararam. Até o fim.



(Petê Rissati.)

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