terça-feira, 4 de maio de 2010

ATAraio veados




Sim, meus caros irmãos, meus estimados drugues... Era uma Sexta Feira Santa, dia que Nosso Senhor Bog pereceu na cruz, feriado que todos os decrépes precisam ficar em suas tocas, entatuzados pensando em todas as estrumadas feitas na vida... O governo emitiu o soviete de toque de recolher; como em todos os anos. Eu avisei isto a BB, mas ela não quis nem saber:

-Eu liguei para todo mundo e ninguém vai viajar no feriado. Traga umas bebidas.

Lógico que ninguém iria viajar: a previsão era de precipitação de cinzas por aqueles dias. Mas era aniversário da Claudinha e não ia furar. A gente chamava ela também de BB, não sei se era porque ela era uma lesbo novinha ou se era pela Bardot.

Usei as vias secundárias para evitar as barricadas das brigadas evangélicas. As ruas estavam vazias. Preferi estacionar um pouco distante e caminhar. A cada passo, meus sabogues levantavam um pó fino e mérsque que sujou as barras de minha calça. Esperei na esquina até certificar-me que não vinha ninguém e fui até a casa. Não queria dar o azar de cruzar com um milicente. De fora, era evidente a movimentação da festa, as golosses, as gargalhas, os govorites, o Amadeo bem gronque na vitrola, me lembrou a um destes filmos estarres de Natal que passavam na TV, não lembro mais qual.

Quem abriu a porta, foi a Krizzy. Estava bonita, a devótchca. Vestia – como sempre – uma roupa branca e estava dependurada no teto fazendo aquelas travuscas de vampiro. Ela se soltou de lá e feito uma gata virou no ar e caiu de pé no chão em um tumdum pesado.

-Meu querido, como está..?, com um sorriso onde se vinham os zubes pontiagudos pronto para uns plóches nos chieéques dos desavisados.

Cumprimentei o restante dos drugues e bretes de nossa alegre confraria horrorshow, além de uns liúdes que eu não conhecia. Estavam a Ester, o Thiago, Isidoro, Bruno, o Alê, o Dênis, e mais uns outros que desmemoriei. O Otávio ensinava à Claudinha a dar uns golpes de dratsa sobre o tatame: na hora, Otávio esgavaratava a BB, que reclamava da força. Não era muito justo um curumin dar porrada na cunhatã. Mas a gente conhecia o Otávio, de iarbos maiores que o gulliver, sempre querendo ser machão, quebrar tudo, um cara da pesada, já havia sido preso algumas vezes, mas sempre escapulia: seu pai se esfolava no Ministério e ele nunca ia deixar seu querido pimpo se dar mal numa Prisesta. A Claudinha, apesar de esganada, conseguiu perguntar:

-Você veio sozinho...? Cadê o Flavio?

-O Flavio ficou em casa, preparando declaração de IR.

A Fê se esmerava atrás do bar preparando molôcos e drencons. Deu para perceber que ela estava meio piânitsa depois de experimentar zerocentos coquetéis.

-Apenas pra ver se está bommm...

E me estalou um betchov na minha bochecha.

-Êêê... Você não sabe que meu negócio são os Tchelovéques, não?

-Ué, você precisa abrir seu gulliver a novas experiências...

-Niet, meu gulliver só quer saber de abrir outra coisa... rs

Nos fundos da toca, os casais estavam na maior Arena. Descobriram que 60% das separações aconteciam devido às tarefas domésticas. Bruno e Thiago se posicionaram de um lado do anel e Isidoro e Alê no outro. Eu não entendi bem qual era o grande problema. Achei que tinha algo a ver com unhas e o mal do saponáceo sobre a derme. O Dênis me explicou: aquele que cede não é homem.

A gente chamava Dênis de dedé e babúshca, aludindo ao fato de ser o único avô entre nós. Era uma brincadeira para encher seus gréjines. Dênis estava muito bem, mas porque não atormentá-lo um pouquinho...? Ele já fora um cara mais nervoso, mas de um tipo que saía para punchar e terminava punchado. Sua jina o abandonara e só agora depois que a filha deles tivera uma munhequinha, ele reencontrara sua família. Agora gargalha mais. Mas ele já confessou para mim: se rever o tchelovéque da jina arranca-lhe o cabo de panela e o arremete aos jacarés do Tietê.

O pessoal estava na maior confraria. Eu cantei Linda do Roupa Nova. Mas a Fê estava impossível, ela queria me fazer hetero:

-Eu SEI que você cantou para mim..., e segurava minha mão.

-Arre!

-Larga mão de ser bunda mole...

-Mas para você, o pau vai estar mole também.

-Cabo de panela não fica mole, meu drugue...

A Fê era uma menina muito tímida, tímida demais para estes nossos tempos tão exibicionistas. Baseado-se na lei de oferta e demanda, a timidez deveria valer mais hoje em dia. Não que sirva de alívio para quem é tímido. Porém, bastava uns goles de molôco e a moça queria baixar as calcinhas e oferecer a nijinsky pro primeiro que aparecesse. Ficava bebinha e taradinha. Por algum motivo misterioso, ela encarnou em mim, e não no Dênis. Perguntei a ela o motivo:

-De enrugadinho, só gosto do saco. Mas se VOCÊ estiver, eu encaro vocês dois...

-Eu só vou, se o Dênis for...

-Sai pra lá, de pinto de homem já basta o do meu neto na fralda...

Aí começaram os preparativos para o sarau cinematográfico. Funcionava assim, depois da Grande Queima de Livros, às pessoas só era permitido assistir aos filmos. Por mim, tudo bem, sempre odiei ler. No máximo, gibi do Conan. Então, não existiam mais saraus, recitaus, etc e taus. Então, a Claudinha e a Esterzinha inventaram esta história de sarau cinematográfico... A gente se reunia e relembrava o pedaço de um filmo que vejassistimos.

Otávio pegou sua rabeca e fez a trilha sonora... O Bode interpretou o discurso sobre a paixão que Sandoval declama em “El Secreto de tus Ojos”. Isidoro descreveu a abertura de “A Touch of Evil” de Orson Wells. Claudinha não negou seu lado BB e nos recitou “Et mes fesses? Tu les aimes, mes fesses?”. Otávio - óbvio - fez o nascimento de Zé Pequeno em “A Cidade de Deus”:

-Dadinho o caralho, meu nome é Zé Pequeno, porra.

Todos estavam empolgados com películas horrorshow e eu escolhi uma cena que gostei de um meia boca. Enquanto eu fazia a minha parte, a Fê esfregava seu pezinho descalço nas minhas costas.

-O Chamado 2. Muito pior que o primeiro. Mas há uma cena... há uma cena...Naomi Watts e seu filho vão fazer um passeio de final de semana em uma feira no bosque. Lembro ou imagino alguns brinquedos de parque de diversões. Nada muito espetacular. Talvez seja o equivalente a um destes parques de periferia que existiam antes do soviete anti-entretenimento. O menino está perturbado e não consegue se divertir. Faz frio. O menino vê entre a mata que arrodeia o local, uma sombra. Um veado. Naomi chama o garoto. Decidem ir embora. Discutem por algum motivo. O único bom motivo para haver continuação em um filmo de terror seria para revelar que o verdadeiro terror não acaba. Sempre ecoa. Nunca esqueço quando atropelamos um homem. Não esqueço o baque mudo da carne no metal. Mas isto não é o filmo, é outra história. A mãe e o menino discutem. Ela não presta atenção à estrada. O filho grita. Ela freia. O carro para. Há um veado. Bambi estragou os veados. Na Europa, ele ainda é um símbolo de virilidade. No rótulo do absinto, há um veado verde. Eles se batendo na floresta. Os chifres engalhados um no outro. Os machos morrem presos em seu ódio. O veado encara os ocupantes do veículo. Um outro animal se joga contra a porta do carro. Querem o menino. A janela quebra. Outros veados perfilam-se pelo acostamento. Eles se agrupam. Um terceiro se joga contra a porta da motorista. A porta amassa. Ela pisa no acelerador, o veado não sai da frente. Ela buzina. Os demais cercam-nos. A mãe avança, o carro sacode. O animal não cede. Ela acelera o carro e depois solta o freio de mão. O veado é empurrado até tombar sobre o capô. Dispara adiante. Os animais ficam ali, plácidos, vendo o carro ir embora.

Fui embora uma hora depois. Dou a desculpa das brigadas evangélicas. Foi a sorte: um vizinho fez a reclamação e a Krizzy precisou arrancar a cabeça de alguns distintos milicientes. Mas esta é outra história. Além disso, já não estava presente. Presente? Puta merda, esqueci o presente da Claudinha no carro!

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