"Há
uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma
literatura para quando se está calmo. Esta é a melhor literatura, acho.
Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura
para quando se está alegre. Há uma literatura para quando se está ávido
de conhecimento. E há uma literatura para quando se está desesperado.
Foi esta última que Ulises Lima e Belano quiseram fazer. Grave erro,
como se observará a seguir. Tomemos, por exemplo, um leitor médio, um
tipo tranquilo, culto, de vida mais ou menos sadia, maduro. Um homem que
compra livros e revistas
de literatura. Bem, aí está. Esse homem pode ler aquilo que se escreve
para quando se está sereno, para quando se está calmo, mas também pode
ler qualquer outra classe de literatura, com olhar crítico, sem
cumplicidades absurdas ou lamentáveis, com desapaixonamento. É o que eu
acho. Não quero ofender ninguém. Agora pensemos no leitor desesperado,
aquele a quem presumivelmente é dirigida a literatura dos desesperados.
Quem é ele? Primeiro: é um leitor adolescente ou um adulto imaturo,
acovardado, com os nervos à flor da pele. É o típico babaca (perdoem a
expressão) que se suicidaria depois de ler Werther.
Segundo: é um leitor limitado. Por que limitado? Elementar, porque só
pode ler literatura desesperada ou para desesperados, dá na mesma, um
tipo ou um energúmeno incapaz de ler de uma tacada Em busca do tempo perdido, por exemplo, ou A montanha mágica(em minha modesta opinião, um paradigma da literatura tranquila, serena, completa) ou, já que aqui estamos, Os miseráveis ou Guerra e paz.
Acho que fui claro, não? Bem, fui claro. Foi assim que falei com eles,
que lhes disse, que os avisei, que os deixei de sobreaviso contra os
perigos com que se defrontavam. Foi o mesmo que falar com uma pedra. E
mais: os leitores desesperados são como as minas de ouro da Califórnia.
Mais cedo do que se espera eles se esgotam! Por quê? É evidente! Não se
pode viver desesperado a vida inteira, o corpo acaba se dobrando,
a dor acaba se tornando insuportável, a lucidez se esvai em grandes
jorros frios. O leitor desesperado (mais ainda o leitor de poesia
desesperado, esse é insuportável, acreditem) acaba se desinteressando
dos livros, acaba irremediavelmente se transformando em desesperado puro
e simples. Ou se cura! E então, como parte de seu processo de
regeneração, volta lentamente, como entre algodões, como debaixo de uma
chuva de pílulas tranquilizantes dissolvidas, volta, eu dizia, a uma
literatura escrita para leitores serenos, repousados, com a mente bem
centrada. A isso se chama (e se ninguém chama assim, eu chamo
assim) a passagem da adolescência à idade adulta. E, com isto, não
pretendo dizer que, ao se transformar num leitor tranquilo, um sujeito
não lê mais livros escritos para desesperados. Claro que lê!
Principalmente se são bons ou passáveis, ou se um amigo os recomendou.
Mas no fundo eles o aborrecem! No fundo literatura amarga, cheia de
armas brancas e de Messias enforcados, não consegue penetrá-lo até o
coração, como consegue, esta sim, uma página serena, uma página
meditada, uma página tecnicamente perfeita! Disse isso a eles. Eu os
avisei. Mostrei a página tecnicamente perfeita. Eu os avisei dos
perigos. Não esgotar um filão! Humildade! Buscar e se perder em terras
desconhecidas! Mas em grupo, com migalhas de pão ou pedrinhas brancas!
Só que eu estava louco, estava louco por causa das minha filhas, por causa deles, por causa de Laura Damián, e não me deram atenção."
Trecho d´ "Os Detetives Selvagens" (1998) de Roberto Bolaño
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