“Jedi” virou “Kane”: a
infantilização da cultura chega ao auge.
André Barcinski
Amo a cultura pop e passo a
maior parte de minha vida profissional escrevendo sobre ela. Diferentemente de
muitos, nunca vi gravadoras, estúdios e editoras como vilões, mas como pilares
de uma indústria cultural que deu ao mundo grandes discos, filmes e livros. Não
acho que arte e comercialismo sejam excludentes (basta lembrar que “O Poderoso
Chefão”, um dos maiores filmes já feitos, foi uma superprodução de grande apelo
comercial).
Entender a necessidade de
lucro da indústria, no entanto, não significa elevar tudo que ela produz a
status de grande arte.
Quando leio críticos
discorrendo sobre os “tons anticapitalistas” de “Star Wars: Os Últimos Jedi” ou
defendendo indicações de “Mulher Maravilha” ao Oscar, é sinal de que muitos
estão confundindo sucesso comercial com qualidade artística.
Não vou entrar no mérito
dessas opiniões. Se alguém quer acreditar que a Disney, dona da Lucasfilm, fez
um libelo contra o capitalismo, ótimo. Só peço duas coisas: a primeira é me
avisar quando a Disney doar para cineastas independentes de Cuba o 1,2 bilhão
de dólares de bilheteria de “Os Últimos Jedi”. A segunda é admitir que, se
“Jedi” é contra o capitalismo, então “A Escolinha do Professor Raimundo” é um
manifesto pela diversidade na educação e “Curtindo a Vida Adoidado” é apologia
anarquista.
Essa tentativa de legitimar
artisticamente produtos ultracomerciais é o último passo num processo de
infantilização que já domina quase totalmente a indústria cultural.
Cada vez mais, são produzidos
filmes, séries, discos e livros que apelam indiscriminadamente a um público que
varia de crianças de 12 anos a adultos de 40.
E está dando certo: mais da
metade dos livros adolescentes (“Harry Potter”, “Jogos Vorazes”) são lidos por
adultos; séries como “Stranger Things” apelam tanto a jovens quanto a
quarentões nostálgicos pelos anos 80, e filmes como “Os Últimos Jedi” atraem
aos cinemas crianças e adultos. E não podemos esquecer dos livros de colorir
para adultos – que, felizmente, parecem estar em declínio.Não estou criticando
adultos que consomem produtos adolescentes. Acho sensacional levar meus filhos
pequenos ao cinema e vê-los lendo “Harry Potter”. O problema é quando “Harry
Potter” vira referência literária de toda a família e “Guerra nas Estrelas”
ganha ares de sofisticação intelectual.
O processo de infantilização
da cultura parece ser irreversível. Muitas pessoas que hoje estão no comando de
estúdios, gravadoras e editoras têm entre 40 e 50 anos e cresceram num mundo em
que a referência de grande cinema era “Guerra nas Estrelas”. E “Guerra nas
Estrelas”, sinto informar, não é “Cidadão Kane” ou “Rashomon”.
Caso seu negócio seja música
pop, faço outra comparação: os discos do Kiss são divertidíssimos e fizeram
parte da vida de muita gente (inclusive da minha), mas as letras de Paul
Stanley não podem – e nem devem – ser comparadas às de Bob Dylan, Joni Mitchell
ou Leonard Cohen. São universos distintos, apesar de, teoricamente, habitarem a
mesma seara do pop comercial.
A qualidade de filmes, discos
e livros cai ano após ano, e as razões são muitas: a padronização de temas e
estruturas narrativas; o aniquilamento da crítica e sua substituição por
Youtubers jabazeiros; a formatação de conteúdo por meio de algoritmos e
pesquisas de mercado; o declínio do mercado independente de música e livros; a
cultura do “blockbuster”; a monopolização do mercado de shows; a falácia da
teoria da “cauda longa” (que levou muita gente a acreditar na democracia
digital como pilar do ecletismo cultural) e, por fim – e mais triste – a
constatação de que o público, mais que nunca, só quer mais do mesmo.