Julio Cortazar em "As Babas do Diabo" (1959)
“De repente me pergunto por que tenho de contar isto, mas se
a gente começa a se perguntar por que faz tudo que faz, se a gente se pergunta
apenas por que aceita um convite para jantar (...) ou por que quando alguém nos
contou um bom caso, em seguida surge como uma cócega no estômago e não dá para
ficar tranquilo até entrar no escritório aí do lado e contar adiante a mesma
história; só então a gente se sente bem, contente, e pode voltar ao trabalho.
Que eu saiba ninguém explicou isso, portanto, o melhor é deixar os pudores de
lado e contar, porque afinal ninguém se envergonha de respirar ou calçar
sapatos; são coisas que a gente faz e quando acontece alguma coisa estranha,
quando encontramos dentro do sapato uma aranha ou ao respirar nos sentimos como
um vidro quebrado, então é preciso contar o que acontece, contar aos rapazes do
escritório ou ao médico. Ai, doutor, cada vez que respiro... Sempre contar,
sempre livrar-se dessa cócega incômoda no estômago.”