Conselhos literários, conselhos de vida: dois decálogos
(Via Todoprosa - Sergio Rodrigues)
Esbarrei dia desses numa lista de dez conselhos – aqui, em espanhol – do romancista
americano Richard Ford (foto) a jovens
escritores e fiquei matutando sobre esse subgênero das dicas sobre o fazer
literário, que sempre mereceu atenção do Todoprosa em
seus quase nove anos de história.
Embora sejam
discutíveis em princípio, claro, simplesmente por serem conselhos, os de Ford
têm lá sua graça. O que neles mais chamou minha atenção foi o fato de serem, em
sua maioria, toques de vida, de comportamento, de postura diante do trabalho –
e não de técnica, estilo, relação com as palavras, condução do ritmo narrativo
ou composição dos personagens. Acredito que isso os faça mais úteis.
“Case-se com alguém
que ame e que ache uma boa ideia você ser escritor”, recomenda Ford já na
abertura do decálogo. E mais à frente: “Não discuta com sua mulher”; “Não
deseje mal a seus colegas”; “Tente pensar no sucesso dos outros como um
estímulo para você”. O que pode parecer uma cartilha de bom-mocismo entra
também por terreno íntimo e polêmico: “Não tenha filhos”. Puxa, será que um
escritor com filhos deve desistir da carreira? Eu tenho dois.
É claro que ninguém
deve tomar ao pé da letra as dicas de Ford ou de qualquer outro. Sim, é
possível ter uma prole extensa e escrever, viver às turras com o cônjuge e
escrever, roer o pé da escrivaninha quando um colega faz sucesso e escrever.
Não fosse assim, a maior parte da literatura universal não existiria.
No entanto, os
toques do escritor americano apontam para problemas que são comuns a quem
escreve e que precisam ser equacionados de alguma forma. Como dedicar o máximo
de tempo e energia ao ofício? Como não deixar que a simples necessidade de
subsistência engolfe tudo? Como manter a concentração? Como impedir que o
ressentimento, o insidioso ressentimento, o corroa por dentro até não sobrar
nada?
Se os toques
pessoais nunca terão valor universal, é um argumento facilmente defensável o de
que, sendo a liberdade artística o próprio ar que o escritor respira,
diretrizes técnicas podem cruzar quando menos se espera a fronteira que separa
o ensinamento do cerceamento.
“Evite as frases
longas e o vocabulário rebuscado”, dirá, por exemplo, algum veterano sensato e
cheio de boas intenções. Cheio também, convenhamos, de razão. Como ele poderia
imaginar que estará matando no berço um genial neobarroco futurista?
Não à toa, um sério
candidato a melhor toque literário de todos os tempos é aquele brincalhão de
Somerset Maugham: “Existem três regras para escrever ficção. Infelizmente,
ninguém sabe quais são elas”.
Preparei abaixo uma
seleção de dez conselhos literários do tipo “de vida” – mais do que “de
literatura” – que me parecem ter valor. Um punhado deles me foi útil em algum
momento da carreira. Nenhum mais do que o primeiro da lista, que pouco tempo
atrás mantive por mais de um ano ao alcance dos olhos, impresso em corpo 36 e
colado na parede ao lado do monitor, enquanto tentava chegar ao fim de um
projeto enrolado que tinha começado dezoito anos antes, chamado “O drible”.
*
1. “Termine o que está escrevendo. O que quer que tenha que fazer para
terminar, termine.” (Neil Gaiman)
2. “Planejar escrever não é escrever. Traçar o projeto de um livro não é
escrever. Pesquisar não é escrever. Falar com as pessoas sobre o que você está
fazendo, nada disso é escrever. Escrever é escrever.” (E.L. Doctorow)
3. “Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos.”
(Marguerite Duras)
4. “Um escritor nunca tira férias. Para ele, a vida consiste ora em
escrever, ora em pensar no que vai escrever.” (Eugene Ionesco)
5. “A melhor hora de planejar um livro é enquanto se lava a louça.”
(Agatha Christie)
6. “Evite panelinhas, grupos, gangues. A presença de uma turma não
tornará seu texto melhor do que ele é.” (Zadie Smith)
7. “Não romantize sua ‘vocação’. Não existe nada parecido com uma ‘vida
de escritor’. A única coisa importante é o que você deixa na página.” (Zadie
Smith)
8. “Se você sabe mesmo escrever, não precisa usar roupas engraçadas.”
(James Dickey)
9. “Mantenha-se humano! Veja pessoas, vá a lugares, beba, se sentir
vontade.” (Henry Miller)
10. “A literatura está apinhada de destroços de gente que se importou
além do razoável com a opinião dos outros.” (Virginia Woolf)
* * *
Abaixo, seguem as dicas do Richard Ford
Quizá los mejores consejos sobre escritores que uno puede
encontrar. Las diez reglas de oro de Richard Ford. Ya lo he posteado antes,
pero creo que siempre vale la pena recordarlo.
1 Cásese con alguien que ame y que le parezca buena idea que
Ud. sea un escritor.
2 No tenga hijos.
3 No lea las críticas.
4 No escriba críticas (su juicio será siempre sesgado).
5 No tenga discusiones con su mujer por la mañana, ni tarde,
por la noche.
6 No beba y escriba al mismo tiempo.
7 No escriba cartas al director (a nadie le importa).
8 No le desee el mal a tus compañeros.
9 Intente pensar en la buena suerte de otros como un
estímulo para usted.
10 No coma mierda si lo puede evitar