sábado, 15 de outubro de 2016

Escrever

Realismo Histérico



Carol Bensimon escreveu "A Informação é o novo personagem"



Em um ensaio publicado em 2000 sobre Dentes brancos, romance de estreia de Zadie Smith, o crítico norte-americano James Wood cunhou o termo “realismo histérico” para definir o tipo de prosa que Zadie praticava. Segundo Wood, ela não estava sozinha; medalhões como Salman Rushdie, Don DeLillo e David Foster Wallace também haviam criado tijolescos romances cujas tramas cheias de fatos, reviravoltas e informação teriam a intenção de criar um retrato sociocultural do mundo contemporâneo (muitas vezes fazendo uso de um certo verniz cômico). Essas tramas, que giravam em torno de alguns “temas”, ainda segundo Wood, acabariam derrapando na verossimilhança (culpa do excesso) e seriam incapazes de dar vida a personagens complexos e que emocionassem o leitor. O crítico parece sugerir que há (havia?), ao menos na literatura norte-americana, uma crise de representação de personagem em curso. “A informação tornou-se o novo personagem”, sentenciava.

Ok, o assunto pode estar velho (aparentemente no mundo de hoje nada pode ser pior do que retomar a polêmica da semana passada; que dirá uma de quinze anos atrás). Ainda assim, me peguei pensando sobre “realismo histérico” esta semana enquanto lia Americanah.

Não tenho certeza do que James Wood diria sobre o livro de Adichie. A verossimilhança não parece ser sacrificada por uma trama em que percebemos um acúmulo de coisas extraordinárias, como no caso de Dentes brancos, então talvez o rótulo não se aplique nesse caso. Há, no entanto, alguns pontos de contato, porque ambos são romanções no sentido mais tradicional do termo: narração em terceira pessoa, retrato apurado de certo(s) segmento(s) da sociedade, longo período de tempo da vida dos protagonistas, etc.

Creio que um romance que pertence também à mesma linhagem é Telegraph Avenue, do Michael Chabon. A frase do Wood, “a informação tornou-se o novo personagem”, fica pulsando na minha cabeça quando me deparo com esse tipo de livro. Nessas narrativas, a vontade obsessiva em discutir questões da vida contemporânea acaba muitas vezes transformando os personagens em caricaturas postas em cena para mostrar as contradições da elite intelectual americana, a onda vegana, o terrorismo, o racismo velado. Esses não são definitivamente livros de “clima” (estou fazendo uma classificação bem pessoal, veja bem), como Uma casa no fim do mundo ou Barba ensopada de sangue. São, ao contrário, livros em que você tem certeza que nenhuma cena irá emocioná-lo. Não estou dizendo que por isso se tornam ruins, apenas que são essa outra coisa, uma coisa oposta ao que chamo de romances de “clima” (os que normalmente ganham meu coraçãozinho, desculpa).

Em resumo, parece que falta calor humano. E a falha não está exatamente na pretensão totalizante (isso existe desde que surgiu o romance, não?). Karl Ove Knausgård também tem essa pretensão, mas o resultado é diferente, para dizer o mínimo. Ele com certeza escolhe outro caminho e por isso chega em outro lugar. O caminho é transformar o desimportante em sublime, coisa das mais difíceis de se fazer. Então, em vez de uma conversa sobre a candidatura de Obama à presidência dos Estados Unidos, temos uma reflexão sobre o cereal matinal. Não estou dizendo com isso que há qualquer problema em falar sobre Obama. Americanah é um ótimo livro, e eu saboreei cada questão sobre política, racismo, imigração, Nigéria. Mas acho que faltou um pouco de “nada”. Um pouco de detalhe, de banalidade. Se os personagens falassem besteira enquanto derretiam sob a umidade nigeriana, se fumassem um cigarro em silêncio, envoltos em conflitos internos ou obsessões corriqueiras, talvez pudessem ser algo mais do que meros relatores dos grandes temas de uma época.