sábado, 16 de julho de 2016

Escrever






"Há uma literatura para quando se está aborrecido. Abunda. Há uma literatura para quando se está calmo. Esta é a melhor literatura, acho. Também há uma literatura para quando se está triste. E há uma literatura para quando se está alegre. Há uma literatura para quando se está ávido de conhecimento. E há uma literatura para quando se está desesperado. Foi esta última que Ulises Lima e Belano quiseram fazer. Grave erro, como se observará a seguir. Tomemos, por exemplo, um leitor médio, um tipo tranquilo, culto, de vida mais ou menos sadia, maduro. Um homem que compra livros e revistas de literatura. Bem, aí está. Esse homem pode ler aquilo que se escreve para quando se está sereno, para quando se está calmo, mas também pode ler qualquer outra classe de literatura, com olhar crítico, sem cumplicidades absurdas ou lamentáveis, com desapaixonamento. É o que eu acho. Não quero ofender ninguém. Agora pensemos no leitor desesperado, aquele a quem presumivelmente é dirigida a literatura dos desesperados. Quem é ele? Primeiro: é um leitor adolescente ou um adulto imaturo, acovardado, com os nervos à flor da pele. É o típico babaca (perdoem a expressão) que se suicidaria depois de ler Werther. Segundo: é um leitor limitado. Por que limitado? Elementar, porque só pode ler literatura desesperada ou para desesperados, dá na mesma, um tipo ou um energúmeno incapaz de ler de uma tacada Em busca do tempo perdido, por exemplo, ou A montanha mágica(em minha modesta opinião, um paradigma da literatura tranquila, serena, completa) ou, já que aqui estamos, Os miseráveis ou Guerra e paz. Acho que fui claro, não? Bem, fui claro. Foi assim que falei com eles, que lhes disse, que os avisei, que os deixei de sobreaviso contra os perigos com que se defrontavam. Foi o mesmo que falar com uma pedra. E mais: os leitores desesperados são como as minas de ouro da Califórnia. Mais cedo do que se espera eles se esgotam! Por quê? É evidente! Não se pode viver desesperado a vida inteira, o corpo acaba se dobrando, a dor acaba se tornando insuportável, a lucidez se esvai em grandes jorros frios. O leitor desesperado (mais ainda o leitor de poesia desesperado, esse é insuportável, acreditem) acaba se desinteressando dos livros, acaba irremediavelmente se transformando em desesperado puro e simples. Ou se cura! E então, como parte de seu processo de regeneração, volta lentamente, como entre algodões, como debaixo de uma chuva de pílulas tranquilizantes dissolvidas, volta, eu dizia, a uma literatura escrita para leitores serenos, repousados, com a mente bem centrada. A isso se chama (e se ninguém chama assim, eu chamo assim) a passagem da adolescência à idade adulta. E, com isto, não pretendo dizer que, ao se transformar num leitor tranquilo, um sujeito não lê mais livros escritos para desesperados. Claro que lê! Principalmente se são bons ou passáveis, ou se um amigo os recomendou. Mas no fundo eles o aborrecem! No fundo literatura amarga, cheia de armas brancas e de Messias enforcados, não consegue penetrá-lo até o coração, como consegue, esta sim, uma página serena, uma página meditada, uma página tecnicamente perfeita! Disse isso a eles. Eu os avisei. Mostrei a página tecnicamente perfeita. Eu os avisei dos perigos. Não esgotar um filão! Humildade! Buscar e se perder em terras desconhecidas! Mas em grupo, com migalhas de pão ou pedrinhas brancas! Só que eu estava louco, estava louco por causa das minha filhas, por causa deles, por causa de Laura Damián, e não me deram atenção."
Trecho d´ "Os Detetives Selvagens" (1998) de Roberto Bolaño