quarta-feira, 25 de maio de 2016

Escrever



Julio Cortazar em "As Babas do Diabo" (1959)



“De repente me pergunto por que tenho de contar isto, mas se a gente começa a se perguntar por que faz tudo que faz, se a gente se pergunta apenas por que aceita um convite para jantar (...) ou por que quando alguém nos contou um bom caso, em seguida surge como uma cócega no estômago e não dá para ficar tranquilo até entrar no escritório aí do lado e contar adiante a mesma história; só então a gente se sente bem, contente, e pode voltar ao trabalho. Que eu saiba ninguém explicou isso, portanto, o melhor é deixar os pudores de lado e contar, porque afinal ninguém se envergonha de respirar ou calçar sapatos; são coisas que a gente faz e quando acontece alguma coisa estranha, quando encontramos dentro do sapato uma aranha ou ao respirar nos sentimos como um vidro quebrado, então é preciso contar o que acontece, contar aos rapazes do escritório ou ao médico. Ai, doutor, cada vez que respiro... Sempre contar, sempre livrar-se dessa cócega incômoda no estômago.”