quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Escrever



Relato de um escritor aprendiz



(por Daniel Galera)

Surpreendente, mas inevitável. Quando, em algum momento de 1999, o professor Assis Brasil [que coordena oficinas de texto na PUC-RS] colocou nesses termos para seus alunos o desfecho ideal de todo conto, eu sabia exatamente do que ele estava falando. Sabia porque, aos 20 anos, já tinha lido centenas de contos. Mas eu sabia sem saber.

Tinha a experiência, mas não a consciência da experiência.

Sabe lá quanto tempo eu levaria para chegar sozinho a uma fórmula tão elegante para definir o instante em que o subtexto, tão essencial ao conto moderno, vem à tona. Talvez nunca chegasse. Foi esse tipo de coisa que a oficina de literatura do Assis me deu de bandeja.

Quando entrei na oficina, eu já escrevia contos e os divulgava na internet, mas me considerava um diletante. Era um sujeito que só começava a suspeitar que a literatura talvez não fosse um interesse passageiro como outrora foram o violão, as histórias em quadrinhos, o web design.

Eu cursava publicidade e propaganda sem convicção nenhuma, e o futuro me parecia um shopping center onde teria de passar a tarde a contragosto num domingo de chuva. Mas eu lia muito desde piá, e aquela coisa de escrever ficção estava ficando séria. Por isso me inscrevi na oficina.

Recuemos um pouco. Um dos contos que mais marcou minha, cof, juventude, foi "O Beijo", de Anton Tchekhov. O enredo é simples. Um batalhão de soldados russos acampa num vilarejo e é convidado por um aristocrata local, o general Von Rabbek, para um chá festivo. Um militar particularmente tímido e apagado, de nome Riabovitch, perde-se nos corredores escuros da mansão e é beijado por uma mulher desconhecida que estava à espera de um outro qualquer.

O incidente afeta o ingênuo protagonista de maneira duradoura. Ele passa as semanas seguintes em deslumbramento, fantasiando sobre a identidade e a aparência da mulher. O sentimento de alegria persiste.
Marchando à noite, ele tem a impressão de que a luz distante de uma janela ou fogueira está piscando secretamente para ele, como se soubesse do beijo.

Tempos depois, o batalhão acampa de novo no vilarejo.

Riabovitch torce para que o general os convide para outro chá, na esperança de rever a mulher. Mas a essa altura ele já começa a reconhecer a insignificância do episódio do beijo, constatando o abismo entre o fervor de sua imaginação e a indiferença do mundo ao redor. E então o mensageiro do general de fato vem e novo convite é feito ao batalhão. Riabovitch, amargurado, decide não ir e se mete na cama.

Esse conto sempre me causou profunda impressão, e fiquei muito tempo sem entender o motivo. Há elementos óbvios com os quais todo ser humano se identificaria. "Todo esse sonho que agora me parece tão impossível e excepcional é na verdade bastante ordinário", conclui Riabovitch ao escutar as conversas vulgares de seus companheiros sobre encontros com mulheres.




Subtexto

Quem não passou longos períodos entregue a fantasias, amorosas ou não, apenas para "cair na realidade" de uma hora para outra? Quem não conhece a frustração ou a melancolia que disso resulta? Mas o conto é muito mais do que isso. Do que, então, ele realmente trata?

Numa das várias aulas em que abordou o subtexto literário, Assis Brasil nos deu como exemplo uma famosa anotação para um conto encontrada num caderno de Tchekhov:

"Um homem vai ao cassino de Monte Carlo e ganha uma fortuna na roleta. Volta para o hotel e se suicida". Essa é a história aparente do conto, e supõe-se que o elemento crucial, o motivo de o homem matar-se nessa estranha circunstância, seria infiltrado no enredo como história oculta, ou subtexto. Cabe ao leitor captar o subtexto. Cabe ao escritor dar-lhe pistas na dose exata para que a descoberta exija esforço e seja recompensadora na mesma medida. O suicídio deve ser surpreendente. Mas também deve ser inevitável.

Como a atitude de Riabovitch no final de "O Beijo".

Por trás de todo conto há uma parábola, ou seja, a projeção de uma história em outra história. O conto aponta para outra narrativa que o extrapola, e que se encontra em grande parte na experiência de vida do leitor. Construir essa ponte faz parte da nossa natureza.

Narramos sem parar, seja na comunicação com os outros ou no domínio da introspecção. É o que fazemos ao procurar o "sentido" de "O Beijo", e é o que faz Riabovitch ao combinar detalhes de todas as moças presentes na mansão para criar sua musa particular e transformar o beijo acidental numa elaborada fantasia.

Eis o "nocaute" do conto: o autor cria condições para que uma potente parábola seja escrita com a participação do leitor, mas entrega a chave só no final. O desfecho é o começo.

Depois das conversas sobre subtexto na oficina, reli "O Beijo" e finalmente percebi como esse mecanismo entrava em ação. Por mais tocante e lindamente narrada que seja toda a história aparente de Riabovitch, e por mais que em seu desfecho ele sufoque a alegria momentânea, abdique da possibilidade de rever a mulher e se meta na cama, resignado, sentindo raiva de seu destino, a verdade é que ele toma a decisão correta. E o faz porque seu exaustivo exercício de fantasia o transformou numa pessoa melhor.

Tchekhov tenta esconder isso ao máximo, e chega a apelar, numa das últimas frases, quando põe seu personagem a observar a água do rio que passa pelo vilarejo: "Em maio ela tinha corrido para o grande rio, e do grande rio para o mar; então subiu em forma de vapor, virou chuva, e talvez a mesma água estivesse correndo agora de novo diante dos olhos de Riabovitch... Para quê? Por quê?".




Releitura

E eu respondo, projetando a história que Tchekhov me deu numa outra que ele me convida a criar, com base no pouco que já sei do mundo: para que Riabovitch perceba que nesse retorno a água pode ser a mesma, mas ele próprio não. Ele mudou para sempre. Para que vá se deitar um pouco mais próximo de si mesmo, sem gastar suas energias inutilmente na tentativa de ser sociável e mulherengo como seus companheiros de batalhão, pois ele sabe faz tempo que é diferente de todos eles e já concluiu que um dia, cedo ou tarde, uma mulher passará por sua vida. Para que seja capaz de abrir mão. Podemos nos surpreender com sua decisão, mas ela é inevitável.

Não creio que uma oficina literária possa forjar um talento. Mas esse é um exemplo de como ela pode, sim, aprofundar e instrumentalizar a relação de um possível autor com as narrativas que lê e escreve.

Uma lição da oficina me levou a uma releitura definitiva (para mim, é claro) de um dos contos que haviam marcado minha adolescência. Encontrei palavras e conceitos adequados para explicar aspectos da ficção que minha experiência como leitor me levava a intuir, e isso foi um ponto de partida para pensar a literatura com um pouco mais de ambição.

Nunca escrevi tanto quanto naquele ano. A oficina nos exigia em média um conto por semana. Narrar uma saga familiar de cinco séculos em cinco linhas. Narrar um episódio de dez segundos em dez páginas.
Contar uma história apenas com descrições do cenário. Os textos eram analisados pelo professor e exaustivamente debatidos pelos alunos, que acumulavam cada vez mais ferramentas para a tarefa. Clichês, técnicas de diálogo, modalidades de narradores.

Ao longo de 1999, eu decidi que escrever seria minha prioridade. Passei 20 anos me distraindo disso, mas de repente, como no final de um bom conto, o subtexto veio à tona. Até então, sinceramente, eu não planejava nada disso. Surpreendente, mas inevitável.


(Fonte AQUI, 16 de agosto de 2009)

sábado, 7 de setembro de 2013

Escrever




O que fazer com um texto?

(Fonte AQUI, 16 de agosto de 2009)


TRÊS PROFESSORES DE OFICINAS LITERÁRIAS CHAMAM A ATENÇÃO PARA REGRAS BÁSICAS DE LEITURA E ESCRITA


LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


PARA LER

1. Ignorar os best-sellers, por maior que seja a tentação. Deixe passar cinco anos.
Se o livro ainda respirar bem, pode investir.
2. Ler com desconfiança o que lê. Se o livro resistir a essa leitura, é porque é bom.
3. Ler com um lápis na mão. E usá-lo.
4. Conhecer pessoalmente o escritor só depois de ler o livro; caso contrário, a figura do escritor ficará colada ao texto, como um fantasma.
5. Ler edições que tenham bom gosto. Uma edição amadora piora dramaticamente o livro.

PARA ESCREVER
1. Dedicar mais tempo à leitura do que à escrita.
2. Usar em abundância o ponto final, especialmente quando a frase resiste a qualquer conserto.
3. Usar material de primeira qualidade: bom computador, bom papel de impressão, bons cadernos (sugiro o Moleskine), boas canetas, bons lápis.
4. Não levar o laptop para a cozinha ou para a sala de visitas. Se não tiver um gabinete exclusivo, o quarto é uma boa escolha.
5. Escrever apenas sobre o que conhece perfeitamente, mesmo que seja um romance passado no futuro.


MARCELINO FREIRE


PARA LER
1. Quanto mais um livro fizer mal, melhor.
2. Confortável precisa ser a cama, não a literatura.
3. Evitar lista dos mais vendidos.
4. Livro não é para ser entendido, é para ser sentido.
5. Desconfiar das dicas que te dão.

PARA ESCREVER
1. Cortar palavras.
2. Não usar gravata na hora de escrever.
3. Ouvir, mesmo que baixinho, a própria voz.
4. Desconfiar daquele texto que sua mãe gostou.
5. Ler e beber muito. E, no mais: viver.


LUÍS AUGUSTO FISCHER

PARA LER

1. Se você estiver diante de um um clássico provado pelos tempos -Shakespeare, Voltaire, Machado de Assis- e acontecer alguma dificuldade na leitura, pode ter certeza de que o problema é seu, não do texto. Bons textos muitas vezes exigem mais de uma tentativa de leitura.
2. No concreto de uma leitura, pode acontecer que a fruição fique embaçada. Antes de entrar em pânico, tente localizar o foco do impasse: se for uma palavra específica que seja desconhecida, para isso existe o dicionário; se não, volte a atenção para os "que", para os nexos entre as partes da frase.
3. Um texto literário, obra de arte que é (ou aspira a ser), tem direito de ser como é, em sua integridade. Isso alerta para a necessidade de a leitura ser respeitosa: o leitor deve dispor-se a receber as informações e as formas do texto tal como o autor as concebeu. Mas isso não impede que o leitor comum pule fora ao perceber que seu honesto empenho de leitura não está sendo recompensado.
4. Um texto literário merece ser lido em pelo menos duas dimensões, uma linear e a outra enviesada. A segunda é menos perceptível, mas muitas vezes é decisiva, e tem sua carnadura num plano alusivo, nas chamadas entrelinhas, num patamar figurado ou alegórico. A boa leitura não pode contentar-se com a decifração daquela primeira dimensão, necessitando uma atenção mais difusa, próxima da atenção que os psicanalistas praticam ao ouvir o paciente.
5. Em narrativas, um detalhe radicalmente importante, em especial nos romances e contos escritos a partir do final do século 19 (no Brasil, o marco é Machado de Assis, mas você pode pensar em Dostoiévski, em Poe, em Flaubert), é o jeito de ser do narrador. O bom leitor sempre mantém em vista que o narrador pode ser parte interessada no enredo, pode ser parcial na avaliação dos fatos e das pessoas que menciona, pode saber mais ou menos do que aparenta.

PARA ESCREVER

1. Tenha sempre em conta que do outro lado de seu texto há, na melhor hipótese, um leitor; e que essa figura, preciosa e fugidia, pode abandonar o barco a qualquer momento. O autor tem todo o direito de radicalizar sua escrita, ser inventivo e ousado, mas também o leitor tem o direito de radicalizar por sua parte, caindo fora.
2. Uma das escolhas básicas para quem escreve um relato diz respeito à distância que o texto vai colocar entre a voz narrativa e o(s) personagem(ns), entre as palavras que o leitor vai ler e a vida íntima do personagem, dentro do enredo. Mesmo um narrador de terceira pessoa pode ser muito próximo dos fatos e das pessoas envolvidas, pode acompanhar as ações muito de perto, assim como um narrador de primeira pessoa pode manter uma distância relativamente serena a respeito dos fatos.
3. Embora no sentido trivial o leitor é quem escolhe o texto que vai ler, num sentido muito profundo é o texto que escolhe seu leitor: suas escolhas vão delimitando o universo potencial dos leitores, que serão mais ou menos sofisticados ou numerosos conforme as opções do autor. Confrontar ou agradar o leitor, eis uma questão que é bom ter em mente, para fazer a escolha que interessa (nisso os grandes revolucionários têm muito a ensinar; veja como Miguel de Cervantes, Honoré de Balzac, Machado de Assis e outros tratam o leitor).
4. Escrever é, em grande medida, administrar entre conhecido e desconhecido, redundância e informação. Um dos riscos sempre implicados nesse campo é o de depender do "background" do leitor, das informações que ele traz (ou não) consigo. Muitas vezes um relato sucumbe porque espera que o leitor aporte conteúdos para compor o sentido de alusões, entreditos, sugestões que o enredo contém.
5. Quem inventa uma ficção está mentindo e espera que o leitor aceite a mentira. Mas sobre essa base há uma outra camada de indispensável verdade: o escritor nunca deve trapacear, nunca fazer pose ou jogar para a torcida. Se começar a contar uma história, tem que assumir o compromisso de contar tudo que importa para que ela aconteça.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Escrever



Algo que achei por aí. A ÚNICA REGRA É TRABALHAR.


sábado, 1 de junho de 2013

Escrever




Diversos depoimentos de escritores brasileiros no canal do Itaú Cultural. 

Depoimentos retirados durante os "Encontros de Interrogação". AQUI.


(Imagem: Artista adapta Máquina de Escrever em Ipad. AQUI)

sábado, 4 de maio de 2013

Escrever





DECÁLOGO DEL PERFECTO CUENTISTA


I

Cree en un maestro -Poe, Maupassant, Kipling, Chejov- como en Dios mismo.

II

Cree que su arte es una cima inaccesible. No sueñes en domarla. Cuando puedas hacerlo, lo conseguirás sin saberlo tú mismo.


III

Resiste cuanto puedas a la imitación, pero imita si el influjo es demasiado fuerte. Más que ninguna otra cosa, el desarrollo de la personalidad es una larga paciencia

IV

Ten fe ciega no en tu capacidad para el triunfo, sino en el ardor con que lo deseas. Ama a tu arte como a tu novia, dándole todo tu corazón.

V

No empieces a escribir sin saber desde la primera palabra adónde vas. En un cuento bien logrado, las tres primeras líneas tienen casi la importancia de las tres últimas.

VI

Si quieres expresar con exactitud esta circunstancia: “Desde el río soplaba el viento frío”, no hay en lengua humana más palabras que las apuntadas para expresarla. Una vez dueño de tus palabras, no te preocupes de observar si son entre sí consonantes o asonantes.

VII

No adjetives sin necesidad. Inútiles serán cuantas colas de color adhieras a un sustantivo débil. Si hallas el que es preciso, él solo tendrá un color incomparable. Pero hay que hallarlo.

VIII

Toma a tus personajes de la mano y llévalos firmemente hasta el final, sin ver otra cosa que el camino que les trazaste. No te distraigas viendo tú lo que ellos no pueden o no les importa ver. No abuses del lector. Un cuento es una novela depurada de ripios. Ten esto por una verdad absoluta, aunque no lo sea.

IX
No escribas bajo el imperio de la emoción. Déjala morir, y evócala luego. Si eres capaz entonces de revivirla tal cual fue, has llegado en arte a la mitad del camino

X

No pienses en tus amigos al escribir, ni en la impresión que hará tu historia. Cuenta como si tu relato no tuviera interés más que para el pequeño ambiente de tus personajes, de los que pudiste haber sido uno. No de otro modo se obtiene la vida del cuento.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Escrever



Regras de Neil Gaiman 



1. Escreva.


2. Coloque uma palavra depois da outra. Encontre a palavra certa, coloque-a no lugar.


3. Termine o que estiver escrevendo. O que quer que precise fazer para terminar, termine-o.


4. Deixe-o de lado. Leia fingindo que nunca o leu antes. Mostre-o para os amigos cujas opiniões você respeita e que gostam do tipo de coisa que isso é.


5. Lembre-se: quando as pessoas dizem que algo está errado ou que não serve para elas, provavelmente estão certas. Quando lhe dizem exatamente o que está errado e como consertá-lo, provavelmente estão erradas.


6. Conserte. Lembre que, cedo ou tarde, antes que isso chegue a alcançar a perfeição, você terá que deixá-lo e seguir em frente e começar a escrever a próxima coisa. Perfeição é como perseguir o horizonte. Continue se movendo.


7. Ria das suas próprias piadas.


8. A regra principal para se escrever é que se você faz com suficiente segurança e confiança, poderá fazer o que bem quiser. (Isso pode ser uma regra para vida assim como para a escrita. Mas definitivamente é certa para a escrita.) Então escreva sua história como ela precisa ser escrita. Escreva-a honestamente e conte-a o melhor que puder. Não estou certo que existam quaisquer outras regras. Não alguma que importe.

(A tradução é de um cara do extinto fórum Meia Palavra)

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Escrever



10 conselhos de Carlos Drummond de Andrade a um escritor iniciante

by Michel Laub

Trechos da crônica A um jovem, publicada em A bolsa e a vida (1962):
 
 
1. Não acredite em originalidade, é claro. Mas não vá acreditar tampouco na banalidade, que é a originalidade de todo mundo.
2. Não fique baboso se lhe disserem que seu novo livro é melhor que o anterior. Quer dizer que o anterior não era bom. Mas se disserem que seu livro é pior que o anterior, pode ser que falem verdade.
3. Procure fazer com que seu talento não melindre o de seus companheiros. Todos têm direito à presunção de genialidade exclusiva.
4. Aplique-se a não sofrer com o êxito de seu companheiro, admitindo embora que ele sofra com o de você. Por egoísmo, poupe-se qualquer espécie de sofrimento.
5. Sua vaidade assume formas tão sutis que chega a confundir-se com modéstia. Faça um teste: proceda conscientemente como vaidoso, e verá como se sente à vontade.
6. Opinião duradoura é a que se mantém válida por três meses. Não exija maior coerência dos outros nem se sinta obrigado intelectualmente a tanto.
7. Procure não mentir, a não ser nos casos indicados pela polidez ou pela misericórdia. É arte que exige grande refinamento, e você será apanhado daqui a dez anos, se ficar famoso; se não ficar, não terá valido a pena.
8. Se sentir propensão para o gang literário, instale-se no seio de uma geração e ataque. Não há polícia para esse gênero de atividade. O castigo são os companheiros e depois o tédio.
9. Evite disputar prêmios literários. O pior que pode acontecer é você ganha-los, conferidos por juízes que o seu senso crítico jamais premiaria.
10. Leia muito e esqueça o mais que puder. Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Nº15: Anáfora







Primeiro um pé. Depois outro pé. E mais um pé. Depois outro pé. E vai um pé. Depois outro pé. E vem um pé. Depois outro pé. E então o pé. Depois outro pé. E sobe o pé. Firmam-se os pés.

Surge a garota, indo em direção à plataforma. A escada é rolante, portanto ela só faz é descer descer descer descer descer.

No meio do percurso, eles se vêem. Coração fazia Tum e Tum e Tum e Tum e Tum e Tum e Tum, porém agora é tumtumtumtumtumtumtumtumumtumtumtumumtumtum.

Ele deveria voltar seu caminho e ir falar com ela. Mas pra quê? Pra levar um fora como naquela vez? E teve mais aquela vez. E houve uma outra com a Ana. E daquela vez, então? E todas as vezes que não lhe deram vez ou voz. Ele continuou subindo.

Veio o metrô, que em seguida foi embora túnel adentro. Mas logo veio novo trem. Parou e foi embora. Em seguida, chegou outra composição. Deixou as pessoas, levou as pessoas, apitou e tchau. Veio mais um trem, burururum, sai aquele povo, entra outro povo, toca o sinal, fecha as portas e bye.

Ela também vai. Num destes trens, numa destas vezes.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Escrever



Onze mandamentos de Henry Miller

(Via Braulio Tavares)


“1) Trabalhe numa coisa de cada vez, até terminar. 
2) Não comece nenhum livro novo, e pare de juntar material para Primavera Negra [o outro livro que ele escrevia na época]. 
3) Não fique nervoso. Escreva com calma, alegremente, incansavelmente, com o que tiver à mão. 
4) Escreva de acordo com o que programou, e não de acordo com seu estado de espírito. Pare na hora marcada.
5) Mesmo quando você não consegue criar, pode escrever. 
6) Cimentar um pouco por dia, ao invés de adicionar fertilizantes. 
7) Seja um ser humano: encontre as pessoas, saia de casa, beba se estiver a fim. 
8) Não seja um burro de carga. Só escreva com prazer. 
9) Descarte o programa quando lhe convier, mas volte a ele no dia seguinte. Concentre. Focalize. Corte. 
10) Esqueça os livros que gostaria de escrever, e pense somente no que está escrevendo. 11) Escreva sempre, antes de tudo. Pintura, música, amigos, cinema, tudo isto vem depois”

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Escrever


"NO-ONE KNOWS ANYTHING"











(Perdi a fonte da tirinha: não sei quem a desenhou.)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

nº17: Prova






Responda as questões abaixo baseado no conto lido anteriormente:

1)Quem é a menina que se dirige ao metrô? Para onde ela vai?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


2)Por que ela usa uniforme escolar se é sábado?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


3)Quem é o personagem que irá descer na mesma estação da menina? Para onde ele vai?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


4)Por que ele carrega um capacete cor-de-rosa na mão?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


5)O que ela pensa enquanto desce a escada rolante? Por que ela não está teclando seu celular?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


6)O que faz João parar enquanto sobe a escadaria?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


7)Complete a frase abaixo, de acordo com sua interpretação.

Quando os olhares dos dois jovens se cruzam, eles________________________________.


8)O que João disse para Maria sobre extintores de incêndio? Por quê?
R:_________________________________________________
___________________________________________________


9)Maria respondeu furiosa “A melhor história é sempre aquela que ainda está na sua cabeça, aquela que ainda não foi para o papel.” Relacione esta resposta com os eventos ocorridos na rave durante a madrugada.
R:_________________________________________________
___________________________________________________


10)Você aprovaria a ação da polícia, alvejando João dentro do vagão antes que pudesse reagir? Justifique.
R:_________________________________________________
___________________________________________________








(imagem poraí. Texto por Brontops)

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Escrever

Manual do Estilo Desconfiado



(Fernando Paixão)

JUNTE-SE AOS DESCONFIADOS

Sempre fui um aficionado pelas artes e artimanhas do ato de escrever. Sou daqueles que consideram toda frase um parto – o que não implica, necessariamente, sofrimento. Tudo começa com o intruso espermatozoide que se instala em nosso cérebro e passa a acionar a sinapse daquela ideia, que ali permanece e recusa a se apagar, insiste diariamente em ser transformada em “mensagem para os outros”: texto.
Acontece, porém, na maioria das vezes, que passamos a macaquear as formas conhecidas de dizer. Repetimos as fórmulas, e mal. Confortados pelo doce prazer do nome impresso. Com frequência, tomamos um dentre os maneirismos disponíveis e o preenchemos com raciocínio e opinião. Mas sem perceber que as palavras e noções usadas já se encontram um tanto gastas por força da repetição e do hábito.
Qual o antídoto? Como sair do círculo repetitivo da inspiração? Se a resposta fosse simples, já teria surgido uma nova profissão no pobre mercado das letras: os estilistas de texto. Com lançamentos a cada ano de novos modelos de redação destinados aos diferentes segmentos: as notícias de jornal, as pesquisas acadêmicas, os romances de sucesso, e outros mais.
O jeito é mesmo desconfiar. Uma recomendação possível e honesta frente ao demo do senso comum que se infiltra no lero-lero de muitos escribas. Ler com o olhar desconfiado, pois ajuda a reconhecer muito gato que se passa por lebre, sobretudo quando assume ares de alta dicção. E, claro, escrever igualmente desconfiado – um pé atrás com as próprias afirmações. Até segunda ordem, todo texto é suspeito.

DESCONFIE DA FRASE LONGA
– Raros são os animais que podem dar saltos longos na natureza. Raros são os homens capazes de compreender uma série de frases compridas.
– Uma frase não se define pela extensão, senão pelo fôlego.
– As ideias que se alongam precisam girar em torno de um eixo. Cuidado com os malabarismos.
– A boa frase longa se contenta com passos curtos – e articulados.
– Para evitar a monotonia de uma série de frases longas, a alternância com a frase curta surpreende.
– As frases longas nunca são jovens.

DESCONFIE DA VÍRGULA
– Aqueles que tomam a vírgula por uma facilidade animam-se em encompridar os solilóquios. Melhor tomá-la por uma dificuldade.
– Toda vírgula implica dobrar uma esquina e continuar o mesmo caminho. O senso de direção não depende (só) dela.
– O texto que se iniciasse com uma vírgula teria antes de si o universo inteiro.
– Alguns escritores são acometidos da virgulite, típica de quem dá voltas ao pensamento.
– Existem as vírgulas da gramática e as do afeto.
– O pecado de Adão criou a primeira vírgula.

DESCONFIE DA PALAVRA GORDA
– Aquela que expressa ideia generalizante, usualmente abstrata. Além do peso.
– A gordura léxica está presente quando as palavras se inclinam para a retórica.
– O uso acumulativo de palavras obesas conduz a uma frase gorda.
– Antes de se expressar em palavras, a obesidade está no pensamento.
– A sintaxe é um recurso importante para engordar (ou emagrecer) a frase.
– Os parnasianos são os típicos escritores com sobrepeso.
                        
DESCONFIE DA PALAVRA MAGRA
– Referente ao sentido direto, quase sempre em primeira acepção. Sem gordura.
– A magreza léxica se torna presente quando as palavras não chamam atenção para si.
– A ciência prefere exprimir-se por meio das palavras exatas. Só o osso interessa.
– A mesma palavra poderá ser mais ou menos delgada, a depender do contexto.
– O romance policial típico necessita de um estilo “magro” para colocar em ação os elementos da trama.
– A palavra magra se quer discreta e útil.

DESCONFIE DA CITAÇÃO
– A afinidade com o autor citado, por si só, não qualifica a citação. Então, o que a justifica?
– Não há como certificar o peso de duas citações opostas e igualmente claras e afirmativas.
– Existem citações de primeiro, segundo e terceiro graus. Quanto mais recuada no tempo, mais sábia.
– Poucos escritores citam os argumentos contrários às suas ideias. Pior para elas.
– Ninguém cita quem lhe parece “inferior”.
– Diz-me quem citas e eu te direi quem és.

DESCONFIE DO CLICHÊ
– O clichê transforma o senso comum em metal, peça que serve à máquina dos discursos.
– De tão usado, o clichê ficou cego, não sabe o que está dizendo.
– Clicheteiro é aquele que usa em demasia as frases conhecidas.
– O clichê apunhala o estilo.
– O clichê se aproxima de um ditado que não deu certo.
– O clichê é um chiclete usado.

DESCONFIE DO ADVÉRBIO
– Cabe ao advérbio dar um toque de relevo à frase.
– A circunstância define o colorido daquilo que se afirma; do contrário, predomina o vazio.
– Verbo e advérbio se atraem, mas nem sempre se encaixam.
– Os advérbios formam a polpa que reveste o caroço da frase central.
– Para garantir que seja exato, todo advérbio deve passar pelo setor de controle de excessos.
– Quem “mente” demais cai em descrédito.

DESCONFIE DO ELOGIO
– Monotonia: o elogio sempre se nutre de adjetivos.
– Boa parte das vezes o encômio vem antes de arrolados os argumentos.
– O elogio deve ser proporcional à qualidade moral e intelectual de quem o profere. Mas quem julga quem?
– A maioria dos elogios esconde a sua real motivação: o comércio de favores.
– Quem muito elogia deixa as palavras vazias.
– Elogiar a modéstia é um contrassenso.

DESCONFIE DO ADJETIVO
– Os adjetivos são como as cores, do suave ao berrante.
– Entre um e outro, recomenda-se a distância de algumas léguas.
– A culpa não está na palavra, mas no demiurgo que não sabe usá-la.
– O adjetivo funciona como o fermento da frase.
– Ao dispor de um adjetivo, indague-se: se ficar de fora, a frase empalidece?
– Faça psicanálise com os qualificativos que emprega.
– Adjetivos são palavras com alta variação de humor.

DESCONFIE DA (DES)CONFIANÇA
– A desconfiança é bem-vinda para que o estilo seja de bom quilate.
– A desconfiança é malvinda quando inibe a naturalidade da frase.
– O melhor estilo é aquele que se faz com a atenção posta no detalhe, nos dedos.
– Quem desconfia fia o texto pelo avesso.
– Quem (des)confia demasiado termina com as mãos no fiado.
– Desconfia quem deseja fiar de outra maneira. 




(Não sei não...)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Escrever


Conselhos literários fundamentais

(Do Sergio Rodrigues, do Todoprosa. Não sei se está completo)



I

Odeie o conforto. Se estiver concentrado demais na história que está escrevendo, ligue a TV, entre num bate-papo virtual. Caso as palavras continuem a lhe jorrar dos dedos, ponha uma música, desligue o ar condicionado, abra a janela para o berreiro de freios, buzinas e motores. Sinta-se incomodado: retarde ao limite do desastre – ou mesmo, havendo disposição e necessidade para tanto, além dele – a hora de ir ao banheiro. Morra de sede, chegue a passar fome. Brigue com a sua mãe. Mande confeccionar para sua cadeira de escritório XTZO-3000 (com amortecedor inteligente) um magnífico assento de tachinhas medievais. Boicote-se: se escrever umas tantas páginas-telas que lhe agradem em particular, dê um jeito de perdê-las, negando-se como um tonto a salvar o arquivo ao fechá-lo. E então esprema a memória para reproduzi-las igualzinho, vírgula a vírgula, exceto por uma palavra que já não achará mais e cuja ausência, se tudo der certo, vai torturá-lo por horas e horas de trabalho ou trabalho nenhum, pois não se pode chamar de trabalho o tumulto de pensamento que o tomará então, o céu a estridular como se fosse partir ao meio e o computador berrando mais do que a cidade e a TV juntas jamais sonharam berrar. Nesse momento, se as instruções tiverem sido seguidas corretamente, a linguagem estará passando por você depressa demais para ser captada, zunindo, turbilhão de luz no hiperespaço. Você terá se infiltrado, como um espião ou um vírus, no coração da máquina que move um mundo de palavras sem tempo de fazer sentido. É horrível. Avance a mão, colha uma ao léu, e então comece.


II

Nunca aceite conselhos, com exceção deste: nunca aceite conselhos. A abertura da exceção destina-se a evitar um curto-circuito lógico que precipitaria o pensamento em abismos semelhantes ao do célebre “paradoxo do mentiroso” de Epimênides ou Eubulides, aquele que diz: “Estou mentindo agora”. Caso aceite este conselho, você vai descobrir que ter aberto tal exceção equivalerá a reconhecer – questão de honestidade intelectual – o princípio de que conselhos podem ser úteis e que, sendo assim, a determinação de nunca aceitá-los é uma estupidez. Um caminho que parece menos traumático é recusar o conselho de nunca aceitar conselhos e permanecer livre para aceitar os conselhos que quiser, repudiando os demais. No entanto, a arbitrariedade dessa discriminação, confundindo-lhe a alma, tenderá a encaminhá-lo para a aceitação do conselho bom ao lado do ruim, qualquer um, na verdade, menos este, o de nunca aceitar conselhos. Aceite todos, portanto, inclusive este, eis o que seria meu principal conselho, se eu não estivesse mentindo agora.

III

Esqueça o famoso conselho: um escritor não precisa escrever sobre o que “conhece bem”. Quase todo mundo, ao escrever sobre o que conhece bem, produz platitudes que o leitor também conhece bem, antes mesmo de ler. Invente, se der na veneta, um mundo pré-colombiano inteiro, mapas e tudo, com nórdicos e ibéricos que a história não registrou se imiscuindo entre os incas, onde uma princesa chamada Aya, cujo amor pelo louro Thür foi condenado por seu pai, o imperador Tapa-Quichuchu, entra nua e magnífica numa banheira de enguias elétricas enquanto na rua o povo comemora a chegada de um novo ciclo lunar fornicando desavergonhadamente pelos cantos, ao som de trompas de chifre e tambores de lhama. Então, no meio daquela zorra, pare um minuto e dê a alguém, um personagem qualquer, um traço seu: a dor de cabeça da noite passada, por exemplo. Um jeito de andar ou falar. Em histórias menos épicas, pode ser a preferência por uma marca de cerveja. Basta: essa gota de verdade pessoal, essa mísera pincelada no formidável painel, num fenômeno alquímico ainda pouco elucidado, torna de repente lancinante o suicídio da bela Aya, imprescindíveis as enguias, trompas, bacanal, América pré-colombiana de araque ou o que quer que se urda com razoável esmero e que por obra daquele detalhe pífio, daquela gota de experiência, vibra agora tão vivo quanto a vida que temos diante do nariz, só que mais excitante. Ou pelo menos é nesse sentido que você encaminha suas preces.

IV

Busque no ritmo das pedrinhas portuguesas a exata ondulação de um capítulo. Abra o dicionário ao acaso para encontrar o adjetivo preciso. Conte o número de carros azuis que avista da janela no prazo de cinco horas para decidir quantas vezes um personagem deprimido tenta se matar antes de ter sucesso. Desventre croissants para estudar camadas de sentido. Aposte contra a máquina no futebol do Playstation o destino – ganhou, apogeu, Fitzgerald; perdeu, decadência, Faulkner – de um protagonista ególatra, seja ele astro do rock ou imperador da borracha na Manaus do século 19. Estude doutamente a borra do café, procure ancestrais desígnios pétreos nas dobras do lençol pós-insônia, contemple o ar invisível, sonde as próprias fezes. Faça cada dia de chuva puxar uma pétala do malmequer, e assim, passados sete meses, decida o desenlace romântico de herói e mocinha. Para questões de estilo, prefira roletas e dados. 

V


Não precisa ser a primeira preocupação do escritor ao se sentar diante do suporte físico ou etéreo em que gravará suas palavras, mas em algum momento do processo é recomendável que ele tenha em mente a questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. A oposição estabelecida por Andrônico de Rodes, o primeiro editor de Aristóteles, e ampliada por diversos pensadores, dos quais Montaigne não será um dos menos ilustres, vive desde o Modernismo uma crise de cognição. Hoje, quando se refere à questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio, o crítico erudito tende a pensá-los como dois países autônomos. Talvez influenciado pela famosa oposição entre intelecto ativo e intelecto passivo proposta pelo Estagirita que Andrônico seguia, imagina cada um desses territórios entregue a seus próprios habitantes, com autores de livros para fagocitar atendendo à demanda de leitores fagocitadores, e produtores de carpaccio à dos apreciadores de fatias finas. Equilíbrio que não deixa de ser precário, como atestam as guerras diplomáticas entre as nações antípodas, mas é, de todo modo, reconfortante. Se retomarmos o fragmento original, porém, veremos que alguma coisa se perdeu desde a intuição fulgurante do obscuro peripatético: “Histórias comidas com vagar alimentam o intelecto, histórias engolidas de uma vez alimentam a alma”. Ora, o que se perdeu é algo que, ao lançar na arena uma oposição de outro nível epistemológico e moral, descola o humilde Andrônico do campo aristotélico da moderação: o fato bastante óbvio de que o bom leitor (fiquemos em bom, para não invocar um ideal platônico) precisa nutrir tanto cabeça quanto alma, e portanto não se satisfará com uma coisa só. É provável que se torne então um leitor voraz e eclético, do tipo que intercala livros para fagocitar com livros para degustar aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. Mas também pode ser que, não contente com tal arranjo, passe a procurar escritores que revezem como ele os dois estilos, brincando de gangorra com carpaccios e fagocitoses, numa alternância que será o motor da própria escrita, às vezes com bruscas inversões dentro da mesma frase ou, pensando bem, da mesma palavra. O leitor verá que esses escritores não são fáceis de encontrar, mas procurá-los é preciso. O que você tem a fazer é lutar com todas as forças para ser um deles.

VII

Não tenha preguiça de reescrever. O escritor que não reescreve o que acabou de escrever, mesmo que por pura mania, mesmo que para deixar o texto indiscutivelmente pior, não merece ser chamado de escritor. Será, no máximo, um excretor a sujar de palavras fisiológicas em estado bruto um mundo que não precisa de sua contribuição para se assemelhar a um aterro sanitário de símbolos. Se escrever dez linhas, reescreva-as dez vezes em dez horas, e mais dez vezes a cada dez horas dos dez dias seguintes: corte, amplie, pregue, serre, lixe, solde, cole, mude tempos verbais e a ordem dos parágrafos, exercite a sinonímia e a intolerância. (Este conselho, por exemplo, foi reescrito ao longo de nove meses de trabalho diário. Em sua primeira versão, dizia: nunca reescreva o que acabou de escrever.) E caso ocorra a circunstância nada improvável de retornar nesse processo de edição a um texto muito semelhante ao original, ou mesmo idêntico a ele, saiba que a sensação de tempo perdido será uma ilusão e que o fruto da reescritura, como o Quixote de Pierre Menard, terá por trás das mesmas palavras uma densidade incomparavelmente superior. Claro que também é preciso reconhecer o momento de parar de reescrever, aquele ponto a partir do qual, como nas cirurgias plásticas em série, qualquer nova mexida só pode resultar em desastre, mas isso não é tão difícil: ele costuma vir acompanhado do impulso de golpear repetidamente o cristal líquido com o teclado para ver qual quebra primeiro.

VII

Não perca um minuto discutindo com quem prega a morte da narrativa. Evidentemente, o que esse cidadão está tentando fazer é criar uma – sim! – narrativa, aliás ingênua e batida, em que ele próprio é ao mesmo tempo o bandido que mata a velha dama aristocrática chamada Literatura e o mocinho que desvenda o crime, trazendo a boa nova de um futuro em que os narradores serão substituídos por… filósofos da linguagem? Se é verdade que vivemos um tempo de inflação narrativa em que a vida privada se vê transformada em “historinha” de forma instantânea nas redes sociais, a única resposta que a isso pode dar a literatura, arte narrativa por excelência, é narrar melhor. Narrar a narrativa, narrar o processo que fez tudo virar narrativa. Ou criar uma narrativa que dê um jeito de ser tão focada que brilhe em meio à pasta amorfa geral, atingindo o frescor pelo paradoxo da evocação de uma certa luz perdida. Por definição, nunca se pode dizer de onde virá o novo. Mesmo porque a tal inflação não começou há cinco anos, nem há trinta. O modernismo é, entre outras coisas, uma réplica artística à trivialização das histórias promovida por imprensa, rádio e cinema no início do século 20. Parece inegável que a crise se aprofundou e exige novas respostas, mas supor que estas proscreverão sumariamente a pulsão narrativa, mãe de poesia e prosa, é um erro tão simplório que parar para discuti-lo só atrasa a vida – que, como se sabe, é curta. Deixe o cara falando sozinho e vá escrever aquele conto.

VIII

Cultive um amuleto para os momentos de desespero. Pode ser Al Pacino perguntando a Diane Keaton em O poderoso chefão: “Quem está sendo ingênuo, Kay?” (Quem está sendo ridículo, cara?) Pode ser qualquer coisa, a memória do ar frio da madrugada entrando em seus pulmões numa manhã de pescaria na infância, um retrato da sua filha sorrindo com a boca sem dentes toda suja de feijão quando tinha um ano, uma estrofe de Bandeira, um labirinto de Escher, uma foto de Gautherot, qualquer objeto material ou imaterial que tenha algo de imantado e permanente e que, invocado como último recurso, agarrado na vertigem do sorvedouro como as sobrancelhas de Capitu eram agarradas por Bentinho em dias de ressaca, o impeça de cair no ralo que cedo ou tarde tenta nos tragar a todos, aquela contabilidade avara de elogios e críticas e gentilezas e esnobadas e alianças e hostilidades e rancores guardados na geladeira em tupperwares etiquetados, nomes e datas, vinganças agendadas, o ressentimento justificado, o ressentimento injustificado – o ressentimento, só. Quando a corredeira dos egos escoiceantes ameaçar transformá-lo num idiota, num paspalhão, agarre seu amuleto com todas as forças e saia em diagonal, dançando um maxixe com ar distraído, para não ter que admitir nem para si mesmo que disso depende sua salvação.




(O Ministério da Saúde adverte: Não seguimos necessariamente nenhuma advertência)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Escrever






Estudioso da natureza, (Rubem) Braga descobriu, para sua decepção, que todas as cores que o pavão ostenta não são dele. O pavão, escreveu ele numa crônica de 1958, é "um arco-íris sem plumas". Não há, observa o cronista, pigmentos em sua cauda, apenas bolhas d’água em que a luz se fragmenta. Disso ele tirou uma lição: esse também é o luxo do grande artista, "atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos". Braga, analisa Humberto Werneck, cronista do Estado, "está falando de si mesmo, pois do mínimo ele extraía o máximo". E cita, como prova, a primeira reportagem do escritor, publicada no mineiro Diário da Tarde, em 7 de março de 1932. Nela, o jovem repórter, então com 19 anos, transforma uma banal exposição canina numa crônica sobre um homem condenado por matar um cachorro no Espírito Santo. Como se vê, não foi Tom Wolfe o inventor do "new journalism" - que trata os fatos como literatura -, mas o velho Braga.



de Antonio Gonçalves Filho sobre Rubem Braga no caderno Sabático do Estado. Imagem DAQUI da Enciclopédia Nordeste.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Escrever


10 regras de Elmore Leonard



As regras são:
1. Nunca comece um livro falando sobre o tempo.
2. Evite prólogos.
3. Nunca use nenhum verbo para carregar o diálogo que não seja “dizer” (tipo, “ele disse” em vez de “ele justificou”, “afirmou”, “disparou” etc.)
4. Nunca use um advérbio junto com “disse” (como em “disse ele seriamente”).
5. Mantenha seus pontos de exclamação sobre controle.
6. Nunca use as palavras “suddenly” ou “all hell broke loose”.
7. Use pouco gírias e dialetos regionais.
8. Evite descrições detalhadas de personagens.
9. Não detalhe muito coisas e lugares.
10. Tente deixar de fora a parte que os leitores tendem a pular.

 A mais importante ficou para fechar.

“Se soa como algo escrito, eu reescrevo.
E se a gramática está atrapalhando, passe por cima dela. Não posso permitir que o que aprendi na escola atrapalhe o som e o ritmo da narrativa. É minha tentativa de permanecer invisível e não distrair o leitor da história com um texto óbvio.
Como dizia Joseph Conrad, as palavras não podem bloquear o que você tem a dizer”.




Roubado do André Forastieri
Não necessariamente concordamos com o que foi dito.