quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

balcão



Seu neto também se chamava Francisco. Lá estava ele do outro lado do balcão. Quiseram abrir espaço, avisá-lo para pegar a fila dos idosos e deficientes. Ele se recusou, acreditando que o faziam apenas por aquele lá do outro lado do balcão ser seu neto. Francisco não queria favorecimento. Precisaram insistir muito, e foi uma estagiária (tirando o piercing e o cabelo azul, pareceria Rosa) quem o convenceu. Um outro senhor, de aspecto mais urbano, tentou puxar conversa. Francisco evitava estes outros velhos das filas: costumavam reclamar de tudo, de todos, do mundo (era uma forma de evitar reclamar de si mesmo, de Deus, de tudo). Mas aquele velho era diferente. Comparou o tempo de antigamente e o de hoje e afirmava: este era o melhor tempo de todos. Francisco ouviu, mas não queria saber muito. Pensava nas galinhas, na chuva, na plantação. Ficou cabisbaixo: fitou os próprios pés, confinados em sandálias, ambos pareciam do mesmo couro ressequido. Francisco não era dado a fantasias, mas esquecera de um sonho no qual formigas se confundiam de caminho e faziam um ninho ali na sola, entre os dedos cor de pedra. O painel mudou de cor, e foi seu neto quem o chamou para ser atendido.


O neto não pediu benção nem nada. Francisco jamais ia falar com a vó ou com os pais sem pedir a benção. O neto tinha um fiozinho que saía de sua orelha, o velho lembrou-se de uma pescaria na qual levara o neto e este chorara no mesmo desespero do peixe vivo lutando para sobreviver. Agora ele mesmo se enganchava nos anzóis. O assunto que os parentes tinham era chato demais para desenvolver aqui: percentuais, juros, safra, terras. Francisco ouvia, mas não escutava. Deve haver uma hora para se usar calçados; uma hora para sair do mato; de perder a dó de matar galinhas; de aprender a falar direito; de deixar de roubar goiaba. Chega uma hora de deixar de ser Chico. Foi neste momento que Francisco percebeu que perderia sua terra para os homens que viviam atrás do balcão.







(imagem Sebastião Salgado - Sem título - 1983. Fonte: Antropologia Social.)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Os escritores assassinos



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Ano 2000. Entre as gélidas correntes do rio Oder, perto da cidade de Wroclaw, na Polônia, pescadores vêem um corpo boiando. Ao levá-lo para terra, as autoridades o identificam como Dariusz Janieszewski, dono de uma empresa de publicidade e membro de média importância na comunidade. Janieszewski havia desaparecido dias antes, e em seu corpo foram encontradas marcas de tortura. A causa de sua morte foi afogamento. O assassino, ao que parece, depois de torturá-lo até se cansar, limitou-se a amarrá-lo e jogá-lo no rio.

Tempo depois, o escritor Krystian Bala, filósofo com aspirações literárias, lança seu romance Amok. Nele, narra um assassinato muito parecido com o de Janieszewski. O livro, sem êxito de vendas, alcançou certa relevância no mundinho literário da Polônia e, graças a esta fama, um funcionário da cidade fez comentários na Internet sobre o crime e a obra de Bala.

De imediato, a polícia de Wroclaw prendeu o autor, a quem interrogou por 72 horas. Por fim, Bala foi liberado por falta de provas. A imprensa se revoltou contra a polícia e considerou o autor vítima da negligência das autoridades e do desespero por encontrar (ou fabricar) algum culpado pela morte do empresário. Bala aparentemente não conhecia a vítima e não havia motivo para que o escritor matasse o empresário. Mas a polícia não desistiu e, com uma investigação mais detalhada, descobriu que o filósofo havia conversado com Janieszewski no dia de seu desaparecimento. Depois, descobriu que o telefone celular da vítima, que não fora encontrado com o cadáver, havia sido vendido na Internet quatro dias depois do crime. O vendedor? Krystian Bala.

Faltava apenas uma peça para fechar o caso: não havia motivo para o crime. A polícia buscou pistas entre os conhecidos de ambos e descobriu que Bala era, na época do desaparecimento, amigo íntimo da ex-esposa do empresário. O autor foi novamente preso e, então, indiciado por homicídio. Apesar de alegar sempre inocência, foi condenado a 25 anos de prisão pelo assassinato do publicitário. Em sua defesa, alegou que havia se inspirado no crime para fazer seu livro, e que havia recolhido os detalhes da imprensa. Mas, segundo as autoridades locais, os trechos do livro são por demais exatos e mencionam dados que apenas a polícia conhecia. Graças à polêmica, Amok tornou-se um best-seller.
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(Para ler o texto completo, com outras histórias de escritores assassinos, clique AQUI. Outros links para Kristian Bala: AQUI AQUI ou AQUI. Via Revista Speculum)