domingo, 30 de janeiro de 2011

Prosa espontânea de Jack Kerouac.




"this is Jack Kerouac’s list of 30 essentials from Belief and Technique for Modern Prose explicating in writing his Spontaneous Prose method:
  1. Scribbled secret notebooks, and wild typewritten pages, for your own joy
  2. Submissive to everything, open, listening
  3. Try never get drunk outside your own house
  4. Be in love with your life
  5. Something that you feel will find its own form
  6. Be crazy dumbsaint of the mind
  7. Blow as deep as you want to blow
  8. Write what you want bottomless from bottom of the mind
  9. The unspeakable visions of the individual
  10. No time for poetry but exactly what is
  11. Visionary tics shivering in the chest
  12. In tranced fixation dreaming upon object before you
  13. Remove literary, grammatical and syntactical inhibition
  14. Like Proust be an old teahead of time
  15. Telling the true story of the world in interior monolog
  16. The jewel center of interest is the eye within the eye
  17. Write in recollection and amazement for yourself
  18. Work from pithy middle eye out, swimming in language sea
  19. Accept loss forever
  20. Believe in the holy contour of life
  21. Struggle to sketch the flow that already exists intact in mind
  22. Don’t think of words when you stop but to see picture better
  23. Keep track of every day the date emblazoned in yr morning
  24. No fear or shame in the dignity of yr experience, language & knowledge
  25. Write for the world to read and see your exact pictures of it
  26. Bookmovie is the movie in words, the visual American form
  27. In praise of Character in the Bleak inhuman Loneliness
  28. Composing wild, undisciplined, pure, coming in from under, crazier the better
  29. You’re a Genius all the time
  30. Writer-Director of Earthly movies Sponsored & Angeled in Heaven"

(Via Literary Lovers)

(Foto Phillipe Halsman.)

domingo, 2 de janeiro de 2011

Nº08: Ciranda









Já passa da meia-noite, os passageiros desembarcam do trem com pressa, no desespero de não perder o último ônibus, que se ainda não saiu, está em vias. João gostaria de correr, mas está mancando, pé torcido. A estação é antiga, não tem elevador e você precisa chegar até a escadaria. Vontade de abordar a um destes estranhos: “Pede para o motorista esperar, pede para ele segurar só mais uns minutinhos, que eu já estou chegando.” Todavia esta não é uma cidade pequena; se fosse não haveria metrô. Uma cidade pequena, na qual todos se conhecem, cheia de pequenos segredos notórios, coberta pela vigilância dos vizinhos divididos entre repressores e calorosos. Aqui é cada um por si. E João acelera o que a dor permite acelerar, enquanto os demais se distanciam. Fica por último na corrida, passo a passo até alcançar o corrimão da escadaria fixa. João prestes a subir aqueles degraus todos quando vê no alto, no sentido oposto, diante da escada rolante: Maria.



Dali de onde está, João não tem certeza se Maria o viu. Improvável, pois a conhecendo do jeito que é, tão desconfiada, ciumenta, emocionalmente instável. João sabe que Maria não anda tomando seus remédios direito, mas ele não insistiu, nem tentou convencê-la do contrário. No fundo, João concorda com as queixas de Maria: sente sua letargia, a ausência do viço nos olhos, ressecada, quieta. Agora, entretanto, diante desta situação, João se arrepende de ter se calado a respeito. Já a imagina gritando lá do alto indiferente ao fato de estar em meio a estranhos: “O que você está fazendo aí? Já não deveria estar em casa? Não estava no velório daquela sua tia? Que perfume é este? Quem torceu seu pé?” Se Maria estivesse domada pela química, João poderia lhe contar a verdade, ou quase toda: sobre Sofia, sobre as jóias, sobre Calvino, o Instituto e o Falcão Maltês. Mas tudo dera errado, e João perdera celular, um dente e quase todo dinheiro: não fosse a enfermeira ruiva arrumar uns trocados para o ônibus, João teria que voltar para casa a pé. Agora sem nada só poderia esperar a fúria de Maria em tapas e arranhões e a humilhação pública de ser espancado pela mulher. Talvez nem tão pública assim, pois não havia mais ninguém na plataforma para dividir este embaraço. Contudo, é bom se lembrar da presença inescapável das câmeras de segurança e da certeza que um filme destes estaria na rede antes que se contratasse o advogado, algum capaz de conter a sanha sensacionalista dos curiosos.



Mas a mente de João trabalha com hipóteses, com as alternativas em jogo. Não poderia voltar correndo, tentar pegar o próximo metrô. Como se sabe, neste horário, os trens a circular são poucos e já passa do horário de funcionamento deles. Tampouco poderia subir correndo as escadas. Maria pregaria a vista naquela corrida manquitola, como se João praticasse marcha olímpica. Ela seria bem capaz de voltar pelas escadas e muito facilmente o alcançaria, não só pela sua velocidade (Maria foi campeã de corrida na escola), mas também porque com quase toda probabilidade já não haveria mais ônibus com o qual fugir.



Ocorreu a João de se abaixar atrás da mureta que separa as duas escadas. Porém, se ele se dobrasse rápido demais, óbvio que Maria atentaria nele. Quem sabe, preocupada, supusesse a queda de um estranho, um qualquer que sentiu-se mal e ficaria ali jogado até o dia seguinte. Mas, se por outro lado, ele se escondesse lentamente, Maria também desconfiaria. Por certo, acreditaria ser um ladrão, alguém armando arapuca, tocaia para atacá-la tão logo chegasse ao fim da escada rolante. Ela poderia inclusive empregar o que aprendera no curso de jiu-jitsu e defesa pessoal, puxar-lhe os cabelos, fazendo-o revelar sua face e então exigir explicações, explicações sempre insuficientes.


João precisa se decidir logo, o tempo passa e os passageiros já devem estar embarcando no ônibus no ponto diante da estação. Ele ainda está incerto se ela o viu ou não, porém começa a ponderar porque Maria também parou do outro lado da escada rolante. Vai ver ficou tão furiosa que não consegue esboçar reação nenhuma, como os dentes trincados e travados do cão antes de mordida. João evita encarar Maria, isto seria difícil, ela está longe, mas deixa a imagem da mulher em seu campo de visão. A princípio, imagina ser uma bolsa. Mas depois observa que se trata de uma tipóia. Como ela teria machucado o braço? João pressupõe um acidente no treino de jiu-jitsu, mas hoje não há aula. Quando precisou mentir a respeito do velório da tia em Santos, Maria respondeu que ficaria em casa assistindo a um filme de John Woo. O que ela fazia ali, na estação, tão longe de casa? Pretendia passar a noite fora, certamente, pois o próximo trem seria o último daquela noite. Suspeitando de uma traição, João deseja/não deseja estar com sua arma: enfurecido atiraria dali mesmo. Ele sabe que acertaria, sempre teve boa mira. Ah, e se Maria tentasse escapar, fugir na hora do último trem, ele se jogaria diante dela, João bem mais forte e pesado, e ela veria a porta automática se fechar e a escapatória desaparecer túnel adentro. Durante aqueles instantes, João divaga sobre o que teria levado Maria a estar lá, na estação, naquele horário: começa a juntar os fatos e relembra da ligação durante a madrugada de um homem chamado Platão e daquele repentino interesse sobre ourivesaria e das anotações sobre o Templo do Sol. Estaria ela envolvida com a Organização ou seria um caso com o professor de jiu-jitsu? Deve ser a Organização, pois ela não sairia para encontrar o amante assim, toda desarrumada, usando o metrô. O mais lógico seria pegar um táxi. Ou esperar o homem passar em casa, afinal ela não esperava que João aparecesse por lá. A não ser que estivesse apaixonada. Ou encurralada.


* * *

Relembraram uma cena do filme de Woo, as armas dos irmãos/inimigos apontadas contra a boca um do outro, no nariz o cheiro de outras pólvoras: como as serpentes no caduceu, como dois corpos no espaço em mútua atração e repulsão, na órbita dos desesperados, girando ao redor de si mesmos na ciranda em direção ao ralo do mundo.













(Escher.)