segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A. T. A. [Armada de Traficantes de Almas]

Armada de Traficantes de AlmasRumo ao concílio da seita, nuvens de tags despencaram num temporal de bits gelados e doídos que nublaram completamente o pára-brisas do meu pequeno veículo. Parei o blindado vermelho-fogo num posto abandonado onde a sorte me entregou apenas quatro zumbis. Eles protegiam um pacote de biscoitos sujo de fuligem (esquecido numa prateleira baixa) e uma bomba cheia de combustível. Graças a isso consegui escalar ao topo do Umbral ainda dirigindo.

Lá em cima, escolhi uma trincheira e desembarquei armado com uma escopeta de elétrons e uma faca santa. Cruzei o bloco que me separava do ponto de encontro sem gastar munição, degolando apenas dois cadáveres ambulantes no caminho. Não havia nada que atraísse os zumbis para o velho cinema abandonado naquela madrugada jubilosa. Entrei sem problemas, mas notei alguém encolhido nos fundos, à espreita.

Trocamos um cumprimento de longe e nos reconhecemos. Nosso xamã chegara antes de todos. Usara de sua magia. Era um bom amigo e me saudou com alimento puro. Logo depois chegou o metamorfo ainda em forma caprina. Os restos de zumbis escorriam dos chifres na cabeça. Quando se transformou de volta em humano, a sujeira desapareceu. Assumindo esse outro disfarce, ele parecia um profeta, um mendigo. Um andarilho como eu.

Terminamos a primeira fase juntos em tempo recorde e aguardamos nossos consoles individuais salvarem o progresso. Calibramos os controles disparando palavras contra um novo professor cruel, preparando a decolagem pelo portal que surgiria em breve. Nossa nova missão era seguir direto ao resgate da esposa do xamã e dos filhotes do metamorfo.

Assim fizemos.

A garota estava aprisionada no matadouro de um homem de carne, refém de um salame aproveitador que enfiara-lhe prazeres estranhos corpo adentro. Os filhotes do caprino estavam junto dela, balindo. Todos reunidos como recheio de sonho. Resgatamos o grupo e destruímos o homem de carne com plasma de realismo. Ele era o chefe de fase e fechamos mais uma etapa. A pontuação não rendeu a fase de bônus e vimos o velho jabuti lamber nossa musa entre as pernas bem diante de nós. Estávamos indefesos. Ela gozava e ria.

Apelamos para os grande mestres. Do Tarantino, recebemos uma espada samurai cada um e o Nolan abriu o portal que nos levaria à próxima missão, mas foi Lhosa quem nos tirou dessa enrascada. Ele refletiu nobreza na nossa linguagem com letras espelhadas em noite de sol à pino. Usei a metalinguagem da caldela de um jovem mestre para nos enfiar na terceira e última fase: uma masmorra abafada dentro do porão de uma velha padaria sagrada. Agora os zumbis vomitavam álcool sobre nós. Encharcados e entorpecidos, usamos nossa última reserva de alimento para recobrar energia e vencer os mortos que restavam com moedas eletrônicas.

Voltamos pra fora e, ao avistar o blindado rubro-sangue, soube que o jogo estava próximo do fim. Sacamos espadas para desafiar os caçadores de escalpos e a briga foi ótima. O xamã desastrado me feriu de leve no ombro, mas era um bom amigo e não merecia retribuição. Depois, ele sacrificou-se no último portal para nos levar até o grande chefão da fase final:

Você.

Salve o jogo e não desligue o console enquanto a luz da lua estiver piscando.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Atal.

Levantaram-se após o dilúvio, sacudindo a pele solta e espantando os musgos formados pelo tempo de chuva e choro derramado durante todo aquele ano.
Os nove pitagóricos sobreviveram embalsamados em azeite de oliva, mesmo alguns não suportando o cheiro e o gosto, que por acidente, entre um espreguiçar e um encolher, acabassem por roçar parte do corpo do outro em suas bocas e narizes.
Neste tempo de insônia povoada de sonhos, fora inevitável um esfregar de corpos, uma escorregadia mão besuntada de desejos. Parte deles, mesmo quando em sono profundo, alcançavam o nirvana do orgasmo raro e solitário. Eram toques sutis em tetas flácidas, ou maduras, raspas de masturbações galácticas, elevando penises flutuantes em água benta. Eram mulheres e homens. Eram corpos. Eram almas.
E dois anjos, em esfera distinta da plantação de tomates, cebola, queijo e azeitonas onde se encontravam, erguidos agora, zelavam por eles enquanto saboreavam chocolates de anis e isopor.
Agora, em novo princípio, conclamavam uma homogeneidade de encontros. Um despertar em velocidade oposta ao tempo disposto em suas vidas. Eram da mesma natureza. Logosóficos? O que entendiam do tempo vivido, não sabiam.
E os nove partiram a cada moda, a cada forma. E sabiam haveria tempos de chuva de novo, de plantações, de insônias e de despertar.