quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Carmen Miranda


Nosso pai foi Papai Noel.

Ele usava mangas compridas e ternos e coletes para esconder as tatuagens feitas na prisão. Foi assim que conseguiu aquele emprego. Nosso pai oferecia balas e doces, mas tinha unhas escuras e dedos ásperos. As mães não reclamavam do cheiro de cigarro, naquele tempo elas fumavam tanto ou mais. Quando a loja abria, não havia muitas clientes e ele ficava só com o fotógrafo, um sujeitinho perfumado que só pararia de falar depois de tomar um tiro na boca. Para não precisar encará-lo, nosso pai fixava o olhar no burro empalhado que era montado pelas crianças. Ficamos sabendo anos mais tarde que usavam olhos de boneca para preencher os globos oculares dos animais mortos.

Nosso pai fazia questão de lembrar como éramos seu inferno. Depois que fui à Coréia, o entendi melhor. Tanto que repeti muitos de seus erros. Nós também o odiávamos. Não estranhamos (ou não nos preocupamos) quando não voltou para casa. Em janeiro, encontraram seu corpo em meio à neve. A polícia acredita que ele bebeu demais, caiu e morreu na beira da estrada, enquanto tentava voltar para casa. No bolso, encontraram um recorte de revista com a foto de Carmen Miranda.










{ Inspirado pelas f otos macabras de Papai Noel: Creepy Santa Claus (post do Mental Floss) & Sketchy Santas ...BOAS FESTAS}

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Coração agalopado



Final de ano e a cidade ganha cor de vermelho, verde, prata, ouro e urgência. Sacolas guardando carinhos, pacotes prometendo abraços, fitas desenhando laços e amores, gente se prometendo mudanças. Arquitetagem de sonhos. Ninguém parece ligar para as filas, as listas, o congestionamento, os pedintes, o cansaço da balconista, a fúria do manobrista. Um novo ano virá e, com ele, os planos a realizar: pintar a casa, trocar o carro, mudar de bairro, voltar a estudar, emagrecer, perdoar, viajar, parar de fumar, mandar o chefe praquele lugar. E em doses cavalares beijar, amar, trepar com urro, a pele amaciar e o peito destravar. Vésperas do Natal,
noite alta, corpo esparramado no sofá, o pé com bolhas após um dia de compras, toca o celular.

Do outro lado, uma voz velha conhecida mas há muito distante. E aí, como vai? Viva o Orkut, finalmente nos achamos de novo. E as palavras jorram, se atropelam e se enovelam. Tanto pra falar, tantos acontecimentos desde então. Saudade braba, ninguém disfarça. Coração agalopado, o pensamento voa veloz rumo a um tempo sem tempo, um parêntesis blindando uma história guardada no arquivo das lembranças eternas. Impossível não delirar e desejar lá no fundo: será que agora vai ser diferente?